Como exame complementar, de cada 1000 mulheres com sintomas inespecíficos (como dor ou distensão abdominal e mudança no ritmo intestinal) que fizeram o CA125, 9 tinham câncer de ovário. Esse número foi de 2 entre as mulheres com CA125 negativo, e 101 entre aquelas com um resultado positivo. Em outras palavras, 89,9% das mulheres com resultado positivo não tinham câncer de ovário. Além disso, 20% das mulheres com mais de 50 anos com um resultado de CA125 positivo receberão diagnóstico de câncer não ovário (não necessariamente ginecológico) nos 12 meses subsequentes.
Segundo os autores do estudo, CA125 é muito utilizado internacionalmente na investigação de câncer de ovário em mulheres que apresentam sintomas suspeito. Contudo, a maioria dos estudos que avaliou a performance clínica deste exame ocorreu em serviços especializados, havendo poucos trabalhos realizados no contexto da Atenção Primária à Saúde.
Este foi um estudo de coorte retrospectivo usando bancos de dados clínicos robustos representativos da população do Reino Unido, sendo selecionadas as mulheres que realizaram dosagem de CA125 entre 2011 e 2014. Como não há programa nacional de rastreamento de câncer de ovário no Reino Unido, os autores consideraram todas as mulheres com dosagem de CA125 como sendo sintomáticas e suspeitas para câncer de ovário (possível fonte de viés no estudo). Foram incluídas no estudo 50,780 mulheres, com incidência de câncer de ovário de 0,9%, sendo 3 vezes maior nas mulheres acima de 50 anos.
O desempenho clínico do CA125 nesse contexto foi: valor preditivo negativo = 99,8% (95% CI 99.7–99.8); valor preditivo positivo = 10,1% (95% CI 9.1–11.2); sensibilidade = 77.0% (95% CI 72.8–80.8%); e especificidade = 93.8% (95% CI 93.6–94.0).
Alguns outros achados chamam a atenção e talvez importem para o médico de família: a incidência de câncer não ovariano foi de 2,6%, sendo de 2,0% e 12,3% para valores de CA125 inferiores e superiores a 35 U/mL; e quase metade dos pacientes com diagnóstico de câncer de pâncreas e de pulmão na coorte apresentava níveis de CA125 ≥35 U/ml.
Funston G, Hamilton W, Abel G, Crosbie EJ, Rous B, Walter FM. The diagnostic performance of CA125 for the detection of ovarian and non-ovarian cancer in primary care: A population-based cohort study. PLoS Med 2020;17(10):e1003295. Disponível em: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1003295
Os resultados deste estudo são relevantes para o médico de família, mesmo considerando a não existência de programa de rastreamento nacional para câncer de ovário no Brasil. Os sinais e sintomas inespecíficos mais comuns relatados pelas mulheres dessa coorte (dor e distensão abdominal, mudança no ritmo intestinal, fadiga e dor pélvica) são comuns na atenção primária e podem ser um desafio diagnóstico para o clínico assistente. Dois achados deste estudo em especial devem ter a atenção dos médicos de família: CA125 negativo nessas mulheres praticamente descarta câncer de ovário; e altos níveis de CA125 nessas mulheres deve alertar para a possibilidade de outros tipos de neoplasia, em especial pâncreas e pulmão. Não há, contudo, dados suficientes para recomendarmos o rastreamento destes cânceres em mulheres com CA125≥35 U/ml no contexto da atenção primária.