O uso de ácido acetilsalicílico na gravidez parece aumentar o risco de complicações hemorrágicas na gravidez, especialmente durante e após o parto, além de aumentar o risco de hematoma pós-parto na mãe, e hemorragia intracraniana no recém-nascido. Essas associações parecem ter sido restritas às mulheres com parto vaginal.
Este foi um estudo de base populacional, utilizando dados administrativos referente a 55,3 mil partos na Suécia. Das parturientes, 1,3% tinham utilizado ácido acetilsalicílico. A dose deve ter sido 75 mg para quase todas, já que é a dose padronizada no país. Para minimizar viés de indicação, os dados foram ponderados levando em consideração a probabilidade de a gestante usar o medicamento. Parturientes com placenta prévia ou placenta abrupta foram retiradas do estudo, exatamente porque os autores julgaram que essas complicações poderiam “mediar” a hemorragia obstétrica; normalmente não se recomenda controlar a análise por mediadores, para não diminuir falsamente o resultado. Pode ser que haja aumento de sangramentos digestivos, urinários e de vias áreas (razão de chances ajustada [aOR], 1,30; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,26 a 4,78) ou de gastrite (aOR, 1,33; IC 95%, 0,73 a 2,40), mas as estimativas foram imprecisas demais para confirmar. Como os autores discutem, isso foi provavelmente devido às gestantes serem mais jovens, mais saudáveis, e fazerem uso do ácido acetilsalicílico por menos tempo do que os participantes de estudo onde essas complicações foram observadas. Quanto ao sangramento obstétrico, o maior aumento observado foi no sangramento intraparto (aOR 1,63; IC 95% 1,30 a 2,05). O aumento parece ser menor para a hemorragia pós-parto (aOR 1,23; IC 95%, 1,08 a 1,39), que foi o tipo mais comum. O sangramento preparto teve um aumento semelhante (aOR 1,22; IC 95% 0,97 a 1,65), mas a estimativa do efeito foi mais imprecisa porque esse tipo de sangramento não foi tão comum. A hemorragia intracraniana neonatal, que só aconteceu 20 vezes entre os 55,3 mil partos, foi muito mais comum com o uso do ácido acetilsalicílico (aOR 9,66; IC 95% 1,88 a 49,48). O efeito parece mudar conforme a via de parto (maior no parto vaginal do que na cesariana), mas é importante lembrar que a principal indicação de ácido acetilsalicílico na gravidez é justamente prevenir a pré-eclâmpsia, que pode levar à necessidade de cesariana.
Hastie R, Tong S, Wikstrom AK, Sandstrom A, Hesselman S, Bergman L. Aspirina utilizada durante a gravidez e o risco de complicações hemorrágicas: uma coorte baseada na população sueca. Am J Obstet Gynecol 2021;224(1):95e.1-12.Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ajog.2020.07.023
Outros estudos:
Duley L, Meher S, Hunter KE, Seidler AL, Askie LM. Antiplatelet agents for preventing pre-eclampsia and its complications. Cochrane Database Syst Rev. 2019 Oct 30;2019(10). Disponível em: https://doi.org/10.1002/14651858.CD004659.pub3
Uma recente revisão sistemática da Cochrane encontrou evidência de alta qualidade de que o uso profilático de ácido acetilsalicílico na gravidez diminui o risco de pré-eclâmpsia com proteinúria e uma série de outros problemas, inclusive morte fetal, neonatal ou antes da alta hospitalar. Essa revisão também encontrou evidência moderada para um aumento no risco de hemorragia pós-parto (razão de risco de 1,06, IC 95% 1,00 a 1,12). O desafio então está em identificar em que circunstâncias esse benefício justifica o aumento no risco de sangramento obstétrico e intracraniano neonatal.
No Sistema Único de Saúde, a dose padronizada de ácido acetilsalicílico é 100 mg. Isso é um pouco maior do que a dose de 75 mg utilizada na Suécia (país onde foi feito este estudo observacional), ou a dose de 60 mg utilizada na maioria dos estudos incluídos na revisão Cochrane. Considerando que a ação do ácido acetilsalicílico dura até uma semana, pode-se efetivamente diminuir a dose do ácido acetil salicílico deixando-se de tomá-lo um dia para cada um ou três dias de uso.