O uso de Ácido Acetilsalicílico (AAS) preveniu eventos vasculares graves em pessoas que tinham diabetes sem doença cardiovascular evidente, mas também causou eventos hemorrágicos maiores. Os benefícios absolutos foram amplamente contrabalançados pelo risco de sangramento.
Há danos e benefícios que aparentemente se compensam: Os 7.740 pacientes que tomaram AAS em baixas doses tiveram 51 menos mortes vasculares, infartos miocárdicos (IAM) não-fatais ou acidentes vasculares encefálicos (AVE) isquêmicos não-fatais; 29 menos ataques isquêmicos transitórios (AIT); e 44 menos revascularizações do que pacientes que receberam placebo por um período médio de 7,4 anos. Isto é contrabalançado por um adicional de 69 episódios hemorrágicos maiores durante esse período, sem efeito líquido nas mortes vasculares ou por todas as causas, e nenhuma diferença na incidência de câncer.
Este foi um estudo de desenho fatorial (duas intervenções) com pacientes também randomizados para receber Omega-3, e esses resultados são relatados separadamente em outro artigo.
O Ataque Isquêmico Transitório (AIT) e indicação de revascularização foram adicionados como “evento cardiovascular grave” após o início do recrutamento, sendo que revascularização é um desfecho questionável por ser dependente de condutas.
A duração do acompanhamento foi aumentada após taxas menores do que o esperado para o desfecho cardiovascular avaliado.
Embora os autores não afirmem especificamente que a análise foi por intenção de tratar, para todos os fins práticos, 99,1% dos pacientes tiveram acompanhamento completo, podendo ser considerado como tal.
A prescrição de AAS como estratégia de prevenção primária de eventos cardiovasculares tem sido altamente questionada devido à eficácia questionável (poucos eventos evitados, grande NNT) e pelo número significativo de eventos colaterais graves (sangramentos, em especial).
The ASCEND Study Collaborative Group, Bowman L, Mafham M, et al. Effects of aspirin for primary prevention in persons with diabetes mellitus. N Engl J Med 2018;379(16):1529-1539. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1804988
Outros estudos:
The ASCEND Study Collaborative Group, Bowman L, Mafham M, et al. Effects of n-3 fatty acid supplements in diabetes mellitus. N Engl J Med 2018;379(16):1540-1550. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1804989
Ensaio controlado randomizado (duplo-cego), ambulatorial (qualquer ambulatório), do Grupo de Colaboração do Estudo ASCEND, realizado na Inglaterra, que recrutou adultos com 40 anos ou mais com Diabetes mellitus, sem doença cardiovascular conhecida, sem contraindicações para a AAS e sem comorbidade importante que os impedisse de participar do estudo por pelo menos 5 anos. Após um período de run-in placebo para garantir a adesão, 15.480 participantes foram randomizados para receber AAS 100 mg uma vez ao dia ou placebo.
Os grupos foram equilibrados no início do estudo, o que resultou em uma idade média de 63 anos, 63% eram homens e 96% eram brancos. Quase todos (94%) tinham diabetes tipo 2. Um escore de risco validado determinou que aproximadamente 40% dos participantes tinham baixo risco de eventos vasculares (<5% em 5 anos), 40% tinham risco em 5 anos de 5% a 10% e o restante estava em risco maior. Após um seguimento médio de 7,4 anos, 99% dos pacientes tinham dados completos de acompanhamento, com resultados adjudicados por mais de 90% por um comitê mascarado para a atribuição do tratamento.
Eventos cardiovasculares graves ocorreram em uma porcentagem significativamente menor de participantes no grupo AAS do que no grupo placebo (658 participantes [8,5%] versus 743 [9,6%]; RR=0,88, IC95%=0,79 a 0,97; P = 0,01). Em contraste, os eventos hemorrágicos maiores ocorreram em 314 participantes (4,1%) no grupo AAS, em comparação com 245 (3,2%) no grupo placebo (RR=1,29; IC 95%, 1,09 a 1,52; P = 0,003), com a maior parte referindo-se a sangramento gastrointestinal e outros sangramentos extracranianos.
Os autores também analisaram o efeito de adicionar a indicação de revascularização ao desfecho composto, e não houve diferença entre os grupos no desfecho original da eficácia para morte vascular, IAM não fatal e AVE isquêmico não fatal (7,0% com AAS versus 7,6% com placebo; hazard ratio [HR]=0,92; IC95% 0,82 a 1,03).
Quando adicionado AIT ao desfecho composto, a diferença entre os grupos é estatisticamente significativa (8,5% vs 9,6%; HR 0,88, IC95%=0,79 a 0,97; número necessário para tratar [NNT] = 90 por 7,4 anos). A adição de revascularização ao desfecho original da eficácia do tratamento teve resultado similar (10,8% vs 12,1%; HR=0,88, IC95%=0,80 a 0,97; NNT = 77 por 7,4 anos).
Ao examinar os resultados estratificados pelo escore de risco vascular em 5 anos, aqueles com risco vascular moderado e mais alto tiveram eventos hemorrágicos maiores mais frequentes que o grupo de baixo risco (respectivamente 8,9 e 9,6 versus 2,8 por 5000 pessoas/ano). O número de eventos vasculares graves evitados por 5.000 pessoas-ano foi de 5,7 no grupo de baixo risco, 11,2 no grupo de risco moderado e apenas 4,9 no grupo de alto risco.
Para o desfecho composto de dano, houve um aumento significativo do risco de sangramento maior, principalmente devido a sangramentos graves (4,1% vs 3,2%; HR 1,29, 1,09-1,52; número necessário para causar um dano = 111 ao longo de 7 anos ). No entanto, não houve diferença em eventos hemorrágicos fatais ou AVE hemorrágicos.
Não houve diferença na incidência de câncer (11,6% para AAS versus 11,5% para placebo), incluindo para cânceres gastrointestinais (2,0% versus 2,0%). Não houve diferenças significativas entre os grupos em mortalidade por todas as causas ou em mortes vasculares.