Neste ensaio clínico randomizado single-blinded financiado pela indústria farmacêutica, a combinação de dieta estrita de 800 calorias por 8 semanas, seguida por liraglutida 3 mg/dia e exercícios aeróbicos moderados / intensivos por um ano resultou em perda de peso de 9,5 kg a mais que a alcançada pelo braço de placebo e atividade usual por um ano.
Contudo, a maior parte dessa perda ocorreu durante o período de dieta, e a significativa recuperação de peso observada no grupo placebo mais atividade usual representou grande parte da diferença observada entre os grupos.
Logo, o mais importante deste ensaio clínico é que o tratamento exclusivo com liraglutida não tem impacto significativo na perda de peso após um período de dieta intensiva.
Neste ensaio clínico, foram selecionados 215 adultos, com 42 anos de idade média, maioria mulheres, sem diabetes, e com IMC médio de 37,0 Kg/m², que se submeteram a uma dieta de 800 calorias por 8 semanas. Ao final deste período, em média os participantes perderam 13,1 Kg e o IMC médio caiu para 32,6 Kg/m². Aqueles que perderam pelo menos 5% do peso corporal (n=195) – procedimento que talvez tenha limitado o estudo aos muito aderentes – foram randomizados em 1 de 4 grupos: exercício mais placebo, exercício mais liraglutida até 3 mg/dia, liraglutida até 3 mg/dia mais atividade usual, ou placebo mais atividade usual (a liraglutida foi prescrita em dose inicial de 0,6 mg/dia até uma dose máxima tolerada de 3 mg/dia). O protocolo de atividade física foi o protocolar (150 minutos por semana de atividade moderada ou 75 minutos de atividade física aeróbica vigorosa), acompanhado de suporte dietético e consultas individuais mensais. O tempo de acompanhamento foi de 1 ano e a taxa de desistência foi de 15%, sem diferenças entre os grupos. Ao final do período de 1 ano, todas os grupos com tratamento ativo perderam mais peso que o placebo. O grupo placebo ganhou em média 6,1Kg, o grupo exercício ganhou 2,0Kg, o grupo liraglutida perdeu 0,7Kg (não significativo), e o grupo exercício mais liraglutida perdeu 3,4Kg. Os eventos adversos mais comuns no grupo liraglutida incluíram colelitíase, palpitações, taquicardia, náuseas, vômitos e diarreia. A análise por protocolo mostrou que perda de peso com relevância clínica foi observada apenas em pessoas altamente aderentes que podem tolerar uma dieta de calorias muito baixas por 8 semanas e aderem a um regime de exercícios moderados.
Lundgren JR, Janus C, Jensen SB, et al. Healthy weight loss maintenance with exercise, liraglutide, or both combined. N Engl J Med 2021;384(18):1719-1730. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2028198?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed
A saga por encontrar tratamentos medicamentosos para a obesidade continua e os resultados são decepcionantes, corroborados por esse pequeno e curto ensaio clínico financiado pela indústria farmacêutica. Esse é mais um estudo a mostrar aos médicos e demais profissionais de saúde que não devemos transmitir a nossos pacientes mensagens de resultados milagrosos com medicamentos caros e pouco acessíveis, em especial em um sistema público já pressionado por falta de recursos e excesso de demanda. A difícil tarefa de orientar nossos pacientes a como perder peso e melhorar sua qualidade de vida persiste no básico e mais complexo: adoção de um estilo de vida mais saudável. E para aqueles com dificuldade de adesão e indicações clínicas e perfil para tal, a opção pela cirurgia bariátrica deve estar sempre à mesa. A liraglutida, apesar do entusiasmo inicial, se mostra cada vez mais um tratamento adjuvante de baixo impacto clínico para situações muito específicas.