A continuidade do cuidado na atenção primária está associada a menor mortalidade

| 04 out 2021 | ID: poems-44314

Área Temática:

Questão Clinica:

A continuidade do cuidado na atenção primária está associada à redução da mortalidade?
Resposta Baseada em Evidência:

No geral, os resultados desta revisão sistemática sugerem que a continuidade “pessoal” do cuidado – em termos de relação estável e de confiança entre paciente e clínico – tem efeito variável, mas geralmente protetor, sobre a mortalidade, possivelmente com maior magnitude para alguns tipos de paciente, como idosos e diabéticos de meia idade. Os dados não são conclusivos sobre eventual efeito dose-resposta. Não há estudos que analisam adequadamente o impacto da continuidade “informacional” e “gerencial” na mortalidade.

Nessa revisão, os autores conceituam continuidade como o cuidado de indivíduos (ao invés de populações) ao longo do tempo, existindo três tipos principais de continuidade: pessoal (relação de confiança entre paciente e clínico assistente); informacional (registros clínicos acessíveis a todos envolvidos no cuidado); e gerencial (comunicação entre todos envolvidos no cuidado e coordenação entre eles).

Alertas:

Contexto:

Essa é uma boa revisão sistemática em cinco bases de dados relevantes – incluindo Medline e Embase – e literatura cinzenta de estudos quantitativos publicados em inglês ou francês até julho de 2019. O risco de viés nos estudos foi avaliado por ferramenta usual para tal – Mixed Methods Appraisal Tool (MMAT). Não se observa problemas graves no processo de triagem e extração dos dados dos estudos. De quase 3 mil estudos, foram selecionados 13 trabalhos observacionais (7 com escore máximo no MMAT), sendo possível apenas realizar síntese qualitativa de seus resultados, já que a natureza dos dados dos estudos impediu uma meta-análise. Nenhum estudo foi realizado na América do Sul – não é certo se a exclusão do português e do espanhol como línguas teve papel nisso, apenas 2 trabalhos incluíram profissionais não médicos e apenas 2 estudos analisaram a população em geral. Todos os estudos avaliaram apenas a continuidade pessoal. Nove estudos encontraram menor risco de mortalidade geral associado a maior continuidade (nenhum com dados da população em geral), dois não encontraram associação e um resultados heterogêneos de acordo com diferentes medidas de continuidade. Dois estudos encontraram menor mortalidade por doença coronariana e um câncer ou doença pulmonar obstrutiva crônica. As medidas de efeito, em geral, foram modestas e heterogêneas. Os estudos não são conclusivos sobre os mecanismos da associação entre mortalidade e continuidade do cuidado na atenção primária, mas sugerem maior conhecimento do médico sobre o paciente, maior responsabilização dos médicos pelos pacientes acompanhados, maior adesão às orientações médicas devido maior confiança do paciente, e o fato de pessoas mais doentes usarem mais e procurarem os médicos mais disponíveis (fator de confusão).

Referencia

Baker R, Freeman GK, Haggerty JL, Bankart MJ, Nockels KH. Primary medical care continuity and patient mortality: a systematic review. Br J Gen Pract 2020;70(698):e600-e611. Disponível em: https://bjgp.org/content/70/698/e600.long

Comentários:

Essa revisão pode causar estranheza a alguns que consideram que relações estáveis, de confiança e por longos períodos sejam algo inerente a um cuidado desejável a todos (efeito paraquedas). Mas os resultados heterogêneos e modestos encontrados apenas em estudos observacionais levanta a questão da necessidade de estudos controlados avaliando quais aspectos da prestação de cuidados pela atenção primária são mais efetivas e eficientes. Estamos em um momento em que deve ser incentivada a tomada de decisões clínicas e gerenciais baseadas em sólidos conhecimentos científicos, mesmo que não precisemos de ensaios clínicos robustos que provem que precisamos respirar para viver. No Brasil, esse alerta é ainda mais importante, já que o desafio de legitimar socialmente a atenção primária se mantem. Por fim, um cuidado importante aos leitores da Barbara Starfield, teórica da atenção primária mais relevante no Brasil: essa revisão sistemática trabalha com um conceito de continuidade – em 3 tipos principais – que une o que a autora vai abordar sob os conceitos de coordenação (continuidade de informação dentro do sistema), continuidade (cuidado prestado pelo mesmo profissional ou serviço) e longitudinalidade (fonte regular de atenção e seu uso ao decorrer do tempo). Esses conceitos frequentemente se sobrepõem também na literatura da Saúde Coletiva.

Data de acesso:

Endereço:

https://bjgp.org/content/70/698/e600.long

Número, Data e Autoria:

Thiago Dias Sarti, setembro 2021