Qual o tratamento nutricional indicado para pessoas com insuficiência renal crônica?

| 3 maio 2016 | ID: sofs-23516
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH: ,
Graus da Evidência:

O tratamento nutricional para doença renal crônica (IRC) dependerá da fase em que se encontra a pessoa portadora de tal doença (fase não-dialítica ou fase dialítica)1.
Na fase não-dialítica, o tratamento nutricional tem como objetivo retardar ou evitar a progressão da doença renal através de medidas nutricionais que promovam o controle adequado da hipertensão arterial sistêmica, da hiperfosfatemia, da acidose metabólica e do consumo proteico1. Em relação à restrição proteica, estudos clínicos e de meta-análise tem demonstrado seu benefício, tanto sobre o ritmo de progressão quanto sobre a sintomatologia urêmica1. Essa manipulação dietética reduz o risco de morte e prolonga o tempo para entrada em diálise quando comparada à dieta não restrita em proteína1. É importante destacar que, em geral, pessoas com doença renal crônica nessa fase são capazes de ativar mecanismos adaptativos que possibilitam a manutenção do balanço nitrogenado e do estado nutricional mesmo em situações de menor consumo de proteínas, porém em algumas situações, como em casos de anorexia, acidose metabólica, inflamação/infecção e diabetes mal controlado, essa adaptação pode ser prejudicada, sendo necessários ajustes dietéticos1.


A quantidade, o tipo e o momento no qual a restrição proteica deve ser instituída encontram-se no quadro a seguir, de recomendações diárias de proteína na fase não-dialítica (tratamento conservador)1:

Taxa de filtração glomerular(mL/min) Proteína (g/kg*/dia)
> 60 Sem restrição (0,8 a 1,0)
25 a 60 0,6 (50 a 60% de proteínas de alto valor biológico)
< 25 0,6 (50 a 60% de proteínas de alto valor biológico) ou 0,3 + suplementação com aminoácidos essenciais e cetoácidos
< 60 + síndrome nefrótica** 0,8 + 1g de proteína para cada grama de proteinúria ou 0,3 + suplementação com aminoácidos essenciais e cetoácidos + 1g de proteína para cada grama de proteinúria
Diabetes com controle glicêmico inadequado 0,8 (50 a 60% de proteínas de alto valor biológico)

*Peso ideal ou desejável
** Proteinúria > 3,5 g/1,73 m²/24 horas
}Fonte: Adaptado de Mitch WE & Klahrs S. apud Cuppari et. al., 2005

Não existem evidências de benefícios da restrição proteica para pessoas com taxa de filtração glomerular maior do que 60 mL/min, porém essas pessoas devem ser orientadas a não consumir proteína em excesso, com ingestão próxima a 0,8 a 1,0 g/kg/dia1.
Em relação ao consumo energético, sugere-se necessidade semelhante à da população saudável: 35 kcal/kg/dia para indivíduos saudáveis com atividade física leve e cerca de 30 kcal/kg/dia para pessoas com obesidade ou mais de 60 anos de idade1. Para aqueles com piora na condição nutricional ou desnutrição pode ser necessária oferta de mais de 35 kcal/kg/dia, com ênfase ao consumo de alimentos com alto teor energético, mas que não elevem a quantidade de proteínas da dieta 1.
Em relação ao consumo de potássio, nessa fase sua restrição deve ser empregada quando houver elevação sérica do eletrólito ou quando já houver perda significativa da função renal, taxa de filtração glomerular < 15 mL/min1. Em geral, recomenda-se que a ingestão de potássio seja inferior a 70 mEq/dia, aproximadamente 3 g/dia 1. Hortaliças, frutas, leguminosas e oleagionosas apresentam elevado teor de potássio1.
A restrição do consumo de sódio pode contribuir para o controle da insuficiência renal, especialmente para os indivíduos portadores de hipertensão arterial1. Além disso, normalmente quando o balanço de sódio é bem controlado, o mecanismo de sede regula o balanço de água de forma adequada1.
A ingestão de cálcio de pessoas com IRC dificilmente é adequada, mas a suplementação com cálcio raramente é indicada pelo risco de hipercalcemia e calcificação de tecidos moles1. Quanto ao consumo de fósforo, sua redução é recomendada para indivíduos com IRC1. Na fase não-dialítica, essa redução acaba sendo consequência do menor consumo proteico1. As recomendações de ferro e de vitaminas são semelhantes às da população saudável, porém pode ser necessária suplementação de ferro quando há menor consumo proteico nessa fase1.

Na fase dialítica, seguem as recomendações de macronutrientes e energia1:

Nutrientes Fase Hemodiálise CAPD (Diálise peritoneal ambulatorial contínua)
Proteína (g/kg*/dia) > 50% de alto valor biológico Manutenção 1,2 1,3
Repleção 1,2 a 1,4 1,3 a 1,5
Energia (kcal/kg*/dia)** Manutenção do peso 30 a 35 25 a 35
Repleção 35 a 50 35 a 50
Redução 20 a 30 20 a 25
Carboidrato (% energia) 50 a 60 35 (oral)
Lipídio (% energia) 30 a 35 30 a 35

 

*Peso ideal ou desejável
** Para pessoas em CAPD, a recomendação já inclui a energia proveniente da glicose absorvida

Fonte: Adaptado de Kopple JD & Massry SG, 2004; Mitch WE & Klahrs S., 2002; KNF-DOQI, 2000 apud Cuppari et. al., 2005

Estudos estimam que a necessidade de proteína de pessoas em hemodiálise é de cerca de 1,2g/kg/dia, a fim de promover balanço nitrogenado neutro ou positivo na maioria dos pacientes clinicamente estáveis1. Pessoas em diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) têm o fator adicional de maior perda diária de proteínas, de forma que a prescrição de 1,3g/kg/dia de proteína diminui a possibilidade de balanço nitrogenado negativo1. Em ambos os casos, pelo menos 50% das proteínas devem ser de alto valor biológico1.
Especificamente em relação ao consumo de energia nessa fase, pessoas em diálise estáveis em geral tem balanço nitrogenado neutro quando consomem 35 kcal/kg/dia1. Para pessoas idosas, pode ser suficiente o consumo de 30 kcal/kg/dia1. Para pessoas em CAPD, a energia estimada proveniente da glicose absorvida do dialisado (cerca de 60% do total da glicose infundida) deve ser subtraída do total recomendado1.
Em relação ao consumo de potássio, a restrição deve ser mais severa do que na fase não dialítica, especialmente para os anúricos1. Pacientes em CAPD raramente apresentam hiperpotassemia1.
Para pacientes em hemodiálise, a restrição de sódio é indicada não só para o controle da pressão arterial, mas também para o controle da ingestão de líquidos1. A prescrição de líquidos baseia-se no volume urinário residual de 24 horas acrescido de cerca de 500ml para as perdas insensíveis1. Já a maioria das pessoas em CAPD tem maior liberdade tanto na ingestão de sódio como na de líquidos1.
Os procedimentos dialíticos são pouco eficientes na remoção de fósforo, além de seu consumo ser mais elevado pela maior necessidade de proteína nessa fase1. Dessa forma, o consumo desse nutriente deve ser reduzido, podendo, inclusive, ser necessário o uso de quelantes de fósforo1.
Por fim, ocorrem perdas de vitaminas nos procedimentos dialíticos, principalmente as hidrossolúveis (C e do complexo B) para o dialisado, sendo na maior parte das vezes necessária sua suplementação1. As vitaminas lipossolúveis A, E e K não devem ser suplementadas, a não ser que haja deficiência1. A vitamina D na sua forma ativa (calcitriol) deve ser prescrita individualmente, de acordo com a condição osteometabólica da pessoa1.
No acompanhamento de pessoas com insuficiência renal, em que os usuários estão, em geral, em acompanhamento em diferentes pontos de atenção das Redes de Atenção à Saúde (RAS), é fundamental que a Atenção Básica/ Atenção Primária em Saúde cumpra seu papel de coordenadora do cuidado, elaborando, acompanhando e gerindo projetos terapêuticos singulares, bem como acompanhando e organizando o fluxo dos usuários entre os pontos de atenção2. Dessa forma, as equipes de Atenção Básica têm o importante papel de buscar a garantia da integralidade da atenção, da continuidade das ações de saúde e da longitudinalidade do cuidado desses usuários na RAS. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família deve oferecer suporte às equipes de referência pelo cuidado da população nos territórios, buscando fortalece-las para o desempenho dessas funções na Atenção Básica.

Bibliografia Selecionada:

  1. Cuppari L, Avesani CM, Martini LA, Monte JCM. Doenças renais. In: Cuppari L. Nutrição clínica no adulto. 2 ed. Barueri: Manoli; 2005. p. 189-220.
  2. BRASIL. Política Nacional de Atenção Básica. Ministério da Saúde: Brasília,2012. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2016.