As alterações da repolarização (primárias ou secundárias) são anormalidades do segmento ST e da onda T que acontecem por distúrbios na forma e/ou duração dos potenciais de ação na fase de repolarização.
A distinção entre alterações primárias e secundárias é importante, porque as etiologias e o significado clínico são diferentes nos dois casos. As alterações primárias são aquelas que acontecem na ausência de distúrbios no processo de despolarização, então o QRS terá forma e duração normais. A causa mais comum e relevante das alterações primárias é a isquemia miocárdica, e nesse caso, as alterações são localizadas em determinadas paredes que o ECG identifica: anterior, inferior, anterosseptal, etc.
As alterações isquêmicas do segmento ST e da onda T podem ser sumarizadas do seguinte modo:
Causas menos frequentes de alterações primárias da repolarização são as miocardites, drogas, alterações eletrolíticas (sobretudo relacionadas ao potássio e ao cálcio), mudanças de decúbito e hiperventilação. Nesses casos tais alterações terão uma distribuição difusa pelas derivações do ECG.
No contexto da atenção primária à saúde, durante o acompanhamento de um paciente cujo ECG mostre alterações primárias da repolarização, o médico generalista deve considerar se há sintomas sugestivos de doença cardíaca (dor torácia típica aos esforços, dispneia) e qual é o perfil de risco cardiovascular do paciente, para então decidir sobre a necessidade de extensão da propedêutica cardiológica com outros exames, como por exemplo, o teste ergométrico.
Se o paciente apresenta dor torácica de repouso com alterações primárias da repolarização no ECG, a hipótese é de angina instável ou infarto agudo do miocárdio, e é necessária a rápida transferência para uma unidade de cuidado secundário ou terciário. Cabe ressaltar que o diagnóstico de uma síndrome coronariana agudo é clínico, e pode acontecer mesmo quando o ECG é normal.
As alterações secundárias da repolarização são aquelas decorrentes de sobrecargas ventriculares, bloqueios de ramo, síndrome de pré-excitação ventricular, ectopias, ritmo de marcapasso. Têm um caráter mais difuso, e a inversão de T será assimétrica e menos apiculada. As alterações na forma e duração do QRS são a base para a definição das alterações de repolarização como secundárias.
Por último, uma observação sobre as chamadas “alterações inespecíficas da repolarização ventricular”, mais comuns do que as primárias e secundárias. O termo é geralmente aplicado a um discreto infradesnivelamento ou retificação do segmento ST, e à inversão ou achatamento da onda T, de caráter difuso, sem causa evidente. Como a própria expressão enuncia tais alterações não são diagnósticas e, isoladamente, não devem ser supervalorizadas pelo clínico.