Quais cuidados a equipe de atenção básica poderá fornecer a um paciente com esofagite de refluxo?

| 3 junho 2015 | ID: sofs-21453
Solicitante:
CIAP2: ,
DeCS/MeSH:

O termo “esofagite de refluxo” faz parte do espectro de uma patologia denominada Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), a qual é definida como sendo a condição que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas e/ou complicações. É uma das causas mais frequentes de consultas gastroenterológicas em pacientes ambulatoriais, comprometendo de forma significativa a qualidade de vida dos seus portadores (1).

No contexto da Atenção Básica, podem ser enfatizadas as medidas comportamentais do tratamento da DRGE (1-4), quais sejam (Grau de Recomendação B):

–          Elevação de 15 cm da cabeceira da cama;
–          Moderar a ingestão dos seguintes alimentos na dependência da correlação com sintomas: cítricos, café, bebidas alcoólicas e ou gasosas, menta, hortelã, tomate, chocolate;
–          Cuidados especiais com medicamentos potencialmente “de risco” (que podem piorar o quadro clinico): anticolinérgicos, teofilina, bloqueadores dos canais de cálcio, alendronato;
–          Evitar deitar-se nas duas horas posteriores às refeições;
–          Evitar refeições copiosas;
–          Suspensão do fumo;
–          Redução do peso corporal em obesos.

Além destas recomendações, deve-se individualizar a dieta do paciente, levando em consideração as queixas particulares com relação a cada alimento. Tais medidas melhoram a relação da equipe com o paciente e aumentam a adesão ao tratamento (1).


A DRGE apresenta uma grande variedade de manifestações clínicas, secundárias ao refluxo do material gástrico refluído para o esôfago ou, nas formas atípicas, pela ação do material refluído para os órgãos adjacentes (2). As principais manifestações clínicas típicas da DRGE são: pirose (referida pelo paciente como azia) e regurgitação ácida. Define-se pirose como a sensação de queimação retroesternal, podendo atingir a garganta (1-4). Ela ocorre em geral 30-60 min após a ingestão de alimentos, especialmente se a refeição for copiosa, ou rica em gordura ou ácido, podendo ser aliviada após a ingestão de antiácido, ou mesmo água. A regurgitação ácida é o retorno do conteúdo ácido até a cavidade oral (1).

A duração e frequência destes sintomas são informações importantes que precisam ser sempre avaliadas e quantificadas. Pacientes que apresentam sintomas com frequência mínima de duas vezes por semana, por cerca de quatro a oito semanas, devem ser considerados possíveis portadores de DRGE (1,2).
Além dessas, outras manifestações clínicas podem ser decorrentes do refluxo gastroesofágico. São as manifestações atípicas, sendo as mais referidas, a dor torácica não coronariana, as respiratórias (tosse e asma brônquica), as otorrinolaringológicas (disfonia, pigarro e sensação de globo faríngeo) e as orais (erosão dental, aftas e halitose) (1).

A principal ferramenta para o diagnóstico da DRGE é a história clínica (1), porém, a confirmação do quadro pode necessitar de exames complementares, dos quais o principal é a endoscopia digestiva alta (EDA) (1-5). Outros exames sugeridos são a manometria, cintilografia e pHmetria esofágicas, a critério do médico assistente.

A recomendação inicial para manejo de pacientes com queixas típicas de DRGE (pirose ou regurgitação ácida), sem sintomas ou sinais de alarme (perda de peso, sangramento, dor ou dificuldade ao deglutir alimentos), é para tratamento empírico medicamentoso por 4 semanas, sem necessidade da realização de EDA prévia. Estudos demonstraram que a realização do exame nesta situação não altera a evolução clínica, quando comparada ao tratamento empírico (4) (Grau de recomendação A). A presença de sinais de alerta, a frequência de sintomas elevada (mais que duas vezes por semana) ou ainda, a má-resposta clínica inicial denotam a necessidade de realização da EDA mais precocemente (6).

A abordagem terapêutica da DRGE divide-se em medidas comportamentais e farmacológicas, que deverão ser implementadas concomitantemente em todas as fases da enfermidade (2). As medidas comportamentais foram descritas anteriormente. Para o tratamento farmacológico, vários fármacos podem ser empregados. Atualmente as drogas de primeira escolha são os inibidores de bomba de prótons (IBP), que inibem a produção de ácido pelas células parietais do estômago, reduzindo a agressão do esôfago representada pelo ácido. O omeprazol é o IBP mais largamente empregado em nosso país, sendo fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde. Os IBP em dose plena devem constituir o tratamento de escolha inicial por período de quatro a oito semanas (2,4,7) (Grau de Recomendação A), sendo o paciente reavaliado após esta fase.  Nos casos de falta de resposta ao tratamento, deve ser considerada a duplicação da dose do IBP por 12 semanas e o paciente deverá ser novamente reavaliado ao final do período (3).

Muito importante o seguimento clínico dos casos diagnosticados com DRGE, para avaliação do tratamento, ocorrência de efeitos colaterais e/ou falha terapêutica. A DRGE é uma enfermidade crônica, sendo esperada recidiva frequente. Quando o tratamento é interrompido, cerca de 80% dos pacientes com a forma mais grave recidivam em cerca de seis meses (3,6). Nos casos de recidiva frequente ou na impossibilidade de se manter o paciente assintomático sem medicação, recomenda-se terapia de manutenção com a mínima dose de IBP necessária para manter o paciente sem sintomas, sempre em associação com as medidas comportamentais e dietéticas (3).  Pacientes com esofagite leve a moderada, sem resposta ao tratamento clínico em dose plena e posteriormente em dose dobrada, devem ser referenciados para serviço de Gastroenterologia Clínica de média complexidade, assim como todos os casos de esofagite grave ou complicada ou estenose esofágica.

É fundamental que o paciente saiba ser portador de uma doença crônica, e que haja parceria com a equipe assistente para que as medidas possam ser adotadas, sobretudo as comportamentais (2). Embora nos últimos anos, estas recomendações tenham sido contestadas por alguns autores, alegando que não haver respaldo científico para as mesmas, elas são consideradas úteis e já consagradas pelo tempo (1). A educação dos pacientes para as modificações que deve impor ao seu estilo de vida é benéfica na condução do tratamento, e deve ser implementada em todos os casos.

SOF relacionadas:

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  2. Qual o tratamento para doença do refluxo gastroesofágico?

 

Bibliografia Selecionada:

  1.  HENRY, Maria Aparecida Coelho de Arruda. Diagnóstico e tratamento da doença do refluxo gastroesofágico. ABCD, arq. bras. cir. dig.,  São Paulo ,  v. 27, n. 3, Sept.  2014.   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202014000300210&lng=en&nrm=iso>. access on  10  Apr.  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202014000300013.
  1. Federação Brasileira de Gastroenterologia. Projeto Diretrizes – Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina . Refluxo Gastroesofágico: Diagnóstico e Tratamento. 2003. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/084.pdf
  1. Barbuti, R. C., & de Moraes-Filho, J. P. P. (2010). Doença do refluxo gastroesofágico. Disponível em: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=4528 
  1. Moraes-Filho Joaquim Prado P., Navarro-Rodriguez Tomas, Barbuti Ricardo, Eisig Jaime, Chinzon Decio, Bernardo Wanderley. Guidelines for the diagnosis and management of gastroesophageal reflux disease: an evidence-based consensus. Arq. Gastroenterol.  [Internet]. 2010  Mar [cited  2015  May  30] ;  47( 1 ): 99-115. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-28032010000100017&lng=en.  http://dx.doi.org/10.1590/S0004-28032010000100017.
  1. ANDREOLLO, Nelson Adami; LOPES, Luiz Roberto; COELHO-NETO, João de Souza. Doença do refluxo gastroesofágico: qual a eficácia dos exames no diagnóstico?. ABCD, arq. bras. cir. dig.,  São Paulo ,  v. 23, n. 1, Mar.  2010 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000100003&lng=en&nrm=iso>. access on  10  Apr.  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202010000100003.
  1. Halpern, R., Kothari, S., Fuldeore, M., Zarotsky, V., Porter, V., Dabbous, O., & Goldstein, J. L. (2010). GERD-Related Health Care Utilization, Therapy, and Reasons for Transfer of GERD Patients Between Primary Care Providers and Gastroenterologists in a US Managed Care Setting. Digestive Diseases and Sciences, 55(2), 328–337. doi:10.1007/s10620-009-0927-9. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2804792/?tool=pubmed
  1. Equipe Telessaúde Rio Grande do Sul. Segunda Opinião Formativa. Qual o tratamento para doença do refluxo gastroesofágico? 2010. Disponível em: http://aps.bvs.br/aps/qual-o-tratamento-indicado-para-pessoas-com-doenca-do-refluxo-gastroesofagico/