Quais as diretrizes básicas de esterilização e desinfecção de artigos clínicos e médico-hospitalares?

| 17 dezembro 2008 | ID: sofs-213
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A escolha e organização dos métodos de desinfecção e esterilização deve ser baseada em recomendações de cunho científico e reconhecidas a nível nacional e internacional. Para adequada escolha nos processos de utilização e tratamento dos materiais, estes devem ser divididos nas categorias críticos, semicríticos e não críticos. Materiais críticos são aqueles que entram em contato com tecidos cruentos, materiais semicríticos são os que entram em contato com mucosas e materiais não críticos aqueles que só entram em contato com pele íntegra. De uma forma geral, durante os processos de tratamento, os materiais críticos deveriam ser esterilizados ou de uso único (descartáveis), os materiais semicríticos deveriam sofrer esterilização ou no mínimo desinfecção e os materiais não críticos deveriam ser desinfetados ou no mínimo limpos. A periodicidade dos processos de limpeza, desinfecção e esterilização dos materiais deveria ser sempre entre o uso em diferentes pacientes. Para uma melhor compreensão do processo de tratamento de materiais, alguns termos merecem ser definidos, conforme descrito a seguir:

LIMPEZA DE MATERIAIS: Antes da desinfecção ou esterilização de qualquer tipo de material é fundamental que seja realizada uma adequada limpeza, para que resíduos de matéria orgânica que possam ficar presentes nos materiais não interfiram na qualidade dos processos de desinfecção e esterilização. A limpeza dos materiais pode ser realizada através de métodos mecânicos, físicos ou químicos. Durante a limpeza mecânica é fundamental uma vigorosa escovação dos materiais, com auxílio de sabão e escovas de diferentes formatos. As escovas também devem sofrer processo de limpeza e desinfecção. Para uma adequada descontaminação, as escovas podem ser mergulhadas em hipoclorito de sódio a 1%, em recipiente plástico, durante 30 minutos, posteriormente enxaguadas e secas (em cima da estufa, por exemplo). Devem ser mantidas secas.
Devem ser utilizadas barreiras de proteção pelo profissional que exerce a limpeza dos materiais, através de luvas de borracha grossas e de cano longo, máscaras e óculos de proteção, em situações de possibilidade de espirramento de secreções. Os materiais devem ser devidamente enxaguados e secos após sua limpeza. As compressas ou panos utilizados para secar o material devem ser somente para este fim e devem ser substituídos frequentemente. Processos químicos também podem auxiliar na limpeza dos materiais, como por exemplo, através do uso de desencrostantes, soluções enzimáticas ou aparelhos de ultra-som, que auxiliam na remoção de matéria orgânica. Podem ser utilizadas soluções anti-ferrugem em instrumentais e materiais metálicos, para aumentar a vida útil dos mesmos.
DESINFECÇÃO DE MATERIAIS: A decisão para escolha de um desinfetante deveria levar em consideração aspectos que envolvam efetividade, toxicidade, compatibilidade, efeito residual, solubilidade, estabilidade, odor, facilidade de uso e custos, entre outros. Além disso, é importante que o desinfetante seja recomendado e aprovado pelo Ministério da Saúde. Uma avaliação referente ao tipo de procedimento (mais ou menos invasivo) e tipo de paciente (mais ou menos suscetível) também deve ser realizada antes da escolha do processo e tipo de desinfetante. A desinfecção e/ou esterilização através de agentes químicos muitas vezes não se apresenta como um método seguro e confiável devido às interferências pertinentes ao uso de desinfetantes e suas dificuldades durante o processo, referentes à possibilidade de inadequada desinfecção ou recontaminação do material. A escolha do tipo de desinfetante, métodos adequados de desinfecção, bem como a organização de todo este processo, não é uma tarefa fácil. Vários guias e manuais de recomendações têm sido publicados com o objetivo de orientar os profissionais para uma adequada desinfecção de materiais utilizados na assistência de saúde. Os agentes químicos desinfetantes comumente utilizados em nosso meio são os álcoois, compostos clorados, formaldeído, iodóforos, peróxido de hidrogênio, ácido peracético, compostos fenólicos e quaternário de amônia. Os desinfetantes mais utilizados em odontologia são o álcool, o hipoclorito de sódio, os compostos iodados e o ácido peracético. O álcool e o hipoclorito de sódio são os desinfetantes mais recomendados para superfícies, enquanto que o desinfetante mais comumente usado para instrumentais e outros materiais é o ácido peracético.
ESTERILIZAÇÃO DE MATERIAIS: A esterilização de materiais clínicos pode ser realizada através de métodos químicos ou físicos. A esterilização química compreende a utilização de agentes esterilizantes líquidos, que são os mesmos utilizados no processo de desinfecção, porém com maior tempo de exposição. A esterilização química apresenta alguns aspectos negativos, especialmente referentes ao risco de recontaminação do material após o processo, dificuldade de armazenamento e de controle de qualidade ou monitoramento do processo. A esterilização física pode ser conseguida através de métodos ou equipamentos que empregam calor seco (por exemplo, estufa) e através de vapor saturado (por exemplo, autoclaves).
Esterilização através de ESTUFA: A estufa, na prática, ainda é o método de escolha para esterilização de instrumentais metálicos utilizados em estabelecimentos de saúde. Através deste método não é possível esterilizar materiais plásticos ou outros materiais termossensíveis, assim como não é recomendável esterilizar roupas, papel, nem instrumentos metálicos cortantes. Para uma efetiva esterilização dos materiais, a estufa deve ser mantida fechada ininterruptamente durante 60 minutos com a temperatura a 170° C, ou 120 minutos com a temperatura a 160° C, ou seja, a porta NÃO deve ser aberta neste período. Todos os materiais devem ser esterilizados dentro de recipientes metálicos.
É importante colocar um pedaço de fita adesiva marcadora para estufa na tampa das cubetas e fita comum constando identificação do material e data da esterilização . Os materiais esterilizados em estufa poderão ser armazenados para posteriores utilizações, desde que as cubetas não sejam abertas e recontaminadas.
Esterilização através de AUTOCLAVE a VAPOR: A esterilização por autoclave a vapor tem se apresentado como o método que reúne mais vantagens para o tratamento de instrumentais clínicos nos últimos anos. As vantagens deste método baseiam-se na sua maior segurança, menor dano aos materiais e menor tempo dispendido. A desvantagem encontra-se na impossibilidade de esterilização de materiais termossensíveis ou não resistentes ao calor, como por exemplo, materiais plásticos delicados. A esterilização através de vapor sob pressão pode ser realizada em diferentes ciclos, com diversidades de tempo e temperatura, dependendo do tipo, tamanho e marca da autoclave e dependendo dos tipos de instrumentais e materiais, invólucros e tamanho dos pacotes. Os ciclos mais comumente utilizados são: 3 a 4 minutos a 134° C (esterilização ‘flasch’), 15 minutos a 134° C e 30 minutos a 121° C. Apesar de existirem algumas controvérsias sobre a esterilização em ciclos rápidos ou ‘flasch’, esta ainda permanece sendo bastante adotada para instrumentais. Todos os materiais devem ser esterilizados dentro de pacotes pequenos, utilizando embalagens papel grau cirúrgico. Os pacotes devem ser fechados com fita adesiva comum ou com seladora automática, contendo identificação do material e data da esterilização. Os pacotes devem ser colocados dentro da autoclave deixando espaços entre eles, permitido a circulação do vapor. As embalagens de papel grau cirúrgico não devem ser utilizadas mais de uma vez. Elas são descartáveis. A esterilização deve ser repetida se o pacote estiver danificado (rasgado, furado, aberto), se apresentar umidade ou gotículas aparentes de água, ou se o marcador físico não estiver com a cor alterada. A água utilizada no reservatório da autoclave deve ser filtrada ou destilada. A qualidade da água e do vapor interferem na conservação e durabilidade dos instrumentais, podendo ocasionar manchas e corrosão.
CONTROLE DE QUALIDADE DE ESTERILIZAÇÃO: monitoramento e validação dos processos de esterilização para o controle de qualidade ou monitoramento do processo de esterilização, tanto através da estufa quanto da autoclave a vapor, podem ser utilizados marcadores físicos, marcadores químicos e testes biológicos. Os marcadores físicos são aqueles encontrados em fitas adesivas específicas para esterilização a vapor ou calor seco (que ficam listradas após a esterilização), ou papéis de embalagem com marcadores específicos (que mudam de cor após a esterilização). Seu uso é recomendado em todos os pacotes ou caixas, uma vez que indicam pelo menos se o material passou pelo processo. As fitas adesivas marcadoras são distintas para estufa e para autoclave a vapor. Outro método físico de monitoramento de esterilização, específico para estufas, são os termômetros, que devem ser colocados dentro da estufa, para controle da temperatura. Os termostatos e relógios que encontram-se na parte externa da estufa nem sempre representam uma real avaliação do processo. Os métodos químicos consistem em pequenas tiras ou pedaços de papel, contendo um componente químico, que se alastra pelo papel ou modifica sua coloração, tornando o papel ‘marcado’ após o processo. É recomendada a colocação desses marcadores dentro dos pacotes, com periodicidade sistematicamente estabelecida (em cada ciclo de esterilização, diariamente ou semanalmente). Representam maior segurança em relação ao método anterior. Os testes biológicos são, sem sombra de dúvida, aqueles que fornecem maior segurança em relação à qualidade de esterilização. Consistem na colocação de microrganismos vivos dentro da autoclave e seu posterior cultivo, para controle de sua eliminação. Os bacilos utilizados para esterilização a vapor são Bacillus stearothermophillus e para esterilização por calor seco são Bacillus subtilis. Alguns testes comerciais de fácil verificação (cuja cor do meio de cultura se altera na presença do bacilo vivo) já podem ser utilizados por profissionais não especialistas em microbiologia. Estes testes fornecem resultados em 48 horas, pelo método tradicional, e em apenas 6 horas, através de método rápido. Infelizmente não existem métodos comerciais para monitoramento biológico de esterilização em estufas, já que estes apresentam-se em embalagens plásticas, que não toleram a temperatura elevada das estufas. As recomendações quanto à periodicidade de realização desses testes biológicos variam de acordo com a legislação de cada estado ou país. As recomendações americanas, por exemplo, recomendam periodicidade semanal. As recomendações canadenses são de periodicidade mensal, enquanto as recomendações nos diferentes estados brasileiros nem sempre estabelecem essa periodicidade. As autoclaves a vapor também devem sofrer um processo de validação, através da realização de testes biológicos em todos os pontos internos da máquina, antes de sua primeira utilização e após cada manutenção. Estes procedimentos tem Grau de Evidência B.
TODA MATÉRIA ORGÂNICA, DE QUALQUER PACIENTE, INDEPENDENTEMENTE SE PORTADOR DE INFECÇÃO OU NÃO É CONSIDERADO POTENCIALMENTE INFECTANTE.
Portanto, todo material após o contato com o organismo humano é considerado contaminado, independentemente do processo a ser submetido, sem levar em consideração o grau de sujidade presente.

 

 

 


Bibliografia Selecionada:

  1. Associação Paulista de estudos e controle de infecção hospitalar . Esterilização de artigos em unidades de saúde. 2a ed. revisada e ampliada. São Paulo: Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar; 2003.
  2. SOBECC. Práticas Recomendadas : centro cirúrgico, recuperação, anestésica e centro de material esterilizado. 3a ed. revisada e atualizada .São Paulo: SOBECC; 2005.
  3. Guia elaborado por enfermeiros brasileiros. Recomendações práticas em processos de esterelização em estabelecimento de saúde. Parte I: esterilização a calor. São Paulo: Komedi; 2000.
  4. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Departamento de Assistência e Promoção à Saúde. Coordenação de controle de Infecção Hospitalar. Processamento de artigos e superfícies em estabelecimentos desSaúde. 2a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 1994.
  5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Orientações gerais para Central de Esterilização. Brasília; Ministério da Saúde; 2001. (Série A Normas e Manuais Técnicos, No. 108). Disponível em: http://www.cro-rj.org.br/biosseguranca/Orientacoes%20Gerais%20para%20Central%20de%20Esterilizacao.pdf. Acesso em: 24 mar 2015
  6. Rutala WA. APIC guideline for selection and use of disinfectants. Am J Infect Control.1996;24:313-42. Disponível em: http://www.contattimedical.com.br/wp-content/uploads/2012/06/Gudelines_for_infection_control2.pdf. Acesso em: 24 mar 2015
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  8. Scali NMP. Indicadores biológicos de terceira geração: tecnologia rompe a barreira do tempo. Rev SOBECC 1997;2:16-8.