O transtorno depressivo pode ser geneticamente herdado?

| 13 outubro 2022 | ID: sofs-45151
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH: , ,

Sobre os fatores genéticos da depressão, a herdabilidade da depressão ainda não é consenso na literatura cientifica. No entanto, segundo alguns estudos estima-se que 37% dos casos possam ter uma relação genética, mesmo que essas relações sejam posteriormente moduladas pelo ambiente – ou seja, embora os genes possam ser relevantes para o surgimento do transtorno depressivo maior (TDM), fatores ambientais conferem um efeito de modificação da suscetibilidade (maior ou menor ativação dos genes)(1-2).

O termo depressão se refere a um conjunto de condições. Em relação a forma patológica, esta se caracteriza por um conjunto de sintomas persistentes e recorrentes, dentre eles: humor depressivo, alterações afetivas e comportamentais, distúrbios dos ritmos biológicos. Essa forma é geralmente denominada Transtorno Depressivo Maior (TDM), mas também se fala de um Transtorno Depressivo Persistente, conhecido também como distimia; um quadro de intensidade mais leve que a TDM, mas de curso crônico (duração maior que 2 anos)(3).

É importante considerar que ciência atual ainda não esclareceu os fatores que levam a depressão patológica. Ainda assim, sabe-se que a depressão é uma condição determinada por um conjunto amplo de fatores sociais, individuais e/ou psicológicos, culturais, biológicos e/ou genéticos – este último já discutido(3).

Sobre os fatores biológicos atuais associados a depressão podem-se citar: alterações estruturais e funcionais do cérebro, alterações neurometabólitas cerebrais, alterações imunológicas, do ritmo circadiano(sono), hormonais, do trato gastrointestinal, ativação de vias inflamatórias e na regulação neurológica(4-9).

Dentre os fatores ambientais podem-se citar: uso de substâncias psicoativas (álcool, drogas, inibidores de apetite, antidepressivos), alteração de ritmos biológicos (privação do sono) e eventos adversos, como a perda dos pais, trauma na infância (violência física, sexual e/ou psicológica) e o baixo suporte social(10).

Portanto, o surgimento do TDM não pode ser associado apenas a um fator, não tem origem apenas genética ou ambiental (um trauma, por exemplo), mas a interação de um conjunto de fatores (multifatorial).

Sobre a evolução do quadro, ele pode ter tanto um início abrupto como insidioso (progressivo). O curso da doença é geralmente episódico, com mais de um episódio na vida em cerca de 80% dos casos. Esses episódios quando tratados corretamente melhoram em cerca de 3 a 6 meses. Se não tratadas depois de 2 anos cerca de 21% os casos se cronificam e com 6 anos essas taxam atingem 55%(11).

Além disso, a medida que a doença progride aumenta a probabilidade de recorrência e os sintomas costumam ser piores em idosos. Destaca-se que a cronificação ou piora geralmente se deve ao diagnóstico impreciso ou a comorbidades não tratada(11).

Sobre a epidemiologia, em estudo realizado no Brasil as taxas de depressão durante a vida e nos 12 últimos meses se situaram entre as maiores do mundo, 18,4 e 10,4%, respectivamente. Além disso, o risco de desenvolver depressão foi duas a três vezes maior em mulheres que em homens. A idade em que a TDM teve início foi precoce, em médio 24 anos: cerca de 40% dos indivíduos tiveram o primeiro episódio antes dos 20 anos de idade, 50% entre 20 e 50 anos, e 10% após os 50 anos(12).

Destaca-se, por fim, os fatores sociodemográficos. Indivíduos de países desenvolvidos apresentaram risco 4 a 8 vezes maior de desenvolver o TDM, baixa renda mensal dobrou o risco, o TDM elevou em 60% o risco de que jovens não terminasse os estudos e também houve associação entre o TDM e o absenteísmo (faltas) no trabalho(1).

Bibliografia Selecionada:

1. Gonda X, Petschner P, Eszlari N, Baksa D, Edes A, Antal P, et al., Genetic variants in major depressive disorder: from pathophysiology to therapy. Pharmacol Ther. 2019 Feb;194:22-43. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0163725818301566?via%3Dihub

2. Sullivan PF, Neale MC, Kendler KS. Genetic epidemiology of major depression: review and meta-analysis.  Am J Psychiatry. 2000 Oct;157(10):1552-62. Disponível em: https://ajp.psychiatryonline.org/doi/10.1176/appi.ajp.157.10.1552?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed

3. Moreno DH, Moreno RA, Soeiro-de-Souza MG. Transtorno depressivo e distimia. In: Miguel EC, Lafer B, Elkis H, et al [editores]. Clínica Psiquiátrica: As grandes síndromes psiquiátricas – Vol 2. Editora Manole, 2021; 2. ed., ampl e atual; [acesso em 05 de setembro de 2022].

4. Van Velzen LS, Kelly S, Isaev D, et al. White matter disturbances in major depressive disorder: a coordinated analysis across 20 international cohorts in the ENIGMA MDD working group.  Mol Psychiatry. 2020 Jul;25(7):1511-1525. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7055351/

5. Schmaal L, Hibar DP, Sämann PG, et al. Cortical abnormalities in adults and adolescents with major depression based on brain scans from 20 cohorts worldwide in the ENIGMA Major Depressive Disorder Working Group. Mol Psychiatry. 2017 Jun;22(6):900-909. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5444023/

6. Lener MS, Niciu MJ, Ballard ED, et al. Glutamate and gamma-aminobutyric acid systems in the pathophysiology of major depression and antidepressant response to ketamine. Biol Psychiatry. 2017 May 15;81(10):886-897. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5107161/

7. Miller AH, Raison CL. The role of inflammation in depression: from evolutionary imperative to modern treatment target. Nat Rev Immunol. 2016 Jan;16(1):22-34. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5542678/ 

8. Germain A, Kupfer DJ. Circadian rhythm disturbances in depression. Hum Psychopharmacoly. 2008 Oct;23(7):571-85. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2612129/

9. Clapp M, Aurora N, Herrera L, Bhatia M, Wilen E, Wakefield S. Gut microbiota’s effect on mental health: the gut-brain axis. Clin Pract. 2017 Sep 15;7(4):987. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5641835/

10. Goodwin FK, Jamison KR. Manic-depressive illness: bipolar and recurrent unipolar disorders.  Oxford University Press; 2nd edition (March 22, 2007).

11. Malhi GS, Mann JJ. Depression. Lancet. 2018 Nov 24;392(10161):2299-2312. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)31948-2/fulltext

12. Kessler RC, Birnbaum HG, Shahly V, Bromet E, Hwang I, McLaughlin KA, et al. Age differences in the prevalence and co-morbidity of DSM-IV major depressive episodes: results from the WHO World Mental Health Survey Initiative. Depress Anxiety. 2010 Apr;27(4):351-64. Disponível em:  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3139270/