Está indicado o uso de AAS na gestante hipertensa?

| 19 fevereiro 2015 | ID: sofs-18602
Solicitante:
CIAP2: ,
DeCS/MeSH: , ,

O uso de antiagregantes plaquetários em pequenas doses diárias (75 a 100mg) tem sido recomendado para gestantes com risco aumentado para desenvolver pré-eclâmpsia (1). Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da pré-eclâmpsia são primigestação, história prévia ou familiar, hipertensão crônica, diabetes, colagenose, raça negra, obesidade e trombofilias (1).
Seguem as recomendações a respeito deste tema na literatura:
Segundo o documento VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão, para prevenção da pré-eclâmpsia não se recomenda prescrever ácido acetilsalicílico (AAS) para gestantes normais, porém em mulheres com risco moderado e elevado de pré-eclâmpsia o uso de baixas doses pode ser útil, sendo iniciado na 12a à 14a semana de gestação (2). Para casos de hipertensão arterial crônica e hipertensão gestacional, o documento não faz menção ao uso de AAS.
De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), em gestantes com antecedente de pré-eclâmpsia grave, principalmente restrição de crescimento fetal, eclâmpsia e síndrome HELLP, preconiza-se a administração precoce (a partir de 12 semanas de gestação) de AAS (100 mg/dia) ou cálcio (1,5 a 2 g/dia) até o final da gestação (3).
Já o Guideline da Sociedade Européia de Cardiologia recomenda baixas doses de AAS (75-100mg/dia) profilaticamente em mulheres com histórico de pré-eclâmpsia precoce em gestação anterior (< 28 semanas). Segundo esta referência, o AAS deverá ser administrado à noite, começando no período pré-concepção ou no diagnóstico da gestação (antes de 16 semanas de gestação), devendo ser continuado até o final da gestação (4).


Complementação da resposta
A hipertensão arterial é uma doença considerada problema de saúde pública pelo seu elevado custo médico-social (5). Ela complica cerca de 7 a 10% de todas as gestações (3), com prevalência variando conforme a faixa etária, sexo, raça, obesidade e presença de patologias associadas, tais como diabetes e doença renal. Nas mulheres em idade fértil a prevalência vai de 0,6 a 2,0%, na faixa etária de 18 a 29 anos, e de 4,6 a 22,3%, na faixa etária de 30 a 39 anos. Diferente dos países desenvolvidos, a hipertensão arterial na gestação permanece a primeira causa de morte materna direta no Brasil (37%), sendo a proporção maior nas regiões Norte e Nordeste em relação ao Sudeste, Sul e Centro-Oeste (5).  É a complicação médica mais comum da gravidez e a principal causa de morbimortalidades materna e perinatal (3). A classificação das doenças hipertensivas na gestação mais aceita em nosso meio é a adotada pelo Grupo de Estudo da Hipertensão Arterial na Gravidez do Programa Nacional de Hipertensão Arterial (EUA) e pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO (BR). Além de utilizada como uma base de acesso à grávida hipertensa, também guia o planejamento de seus cuidados. Divide-se em:

  1. Hipertensão crônica.
  2. Pré-eclâmpsia/Eclâmpsia.
  3. Pré-eclâmpsia superposta à hipertensão crônica.
  4. Hipertensão gestacional.

O principal objetivo do tratamento é reduzir os riscos maternos e conseguir um bom resultado perinatal. A maioria das hipertensas de baixo risco não necessita de medicação anti-hipertensiva durante a primeira metade da gestação devido à redução fisiológica da pressão arterial neste período. O tratamento deve ser iniciado quando ocorrer aumento pressórico que possa provocar complicações maternas, objetivando manter a pressão sistólica entre 140-150mmHg e a diastólica entre 90-100mmHg (5).
A falta de estudos randomizados que possam avaliar os riscos e benefícios dos anti-hipertensivos na gestação faz com que a escolha se baseie mais na experiência pessoal e no consenso de especialistas. Não existe uniformidade de conduta nas sociedades nacionais, nem nas internacionais. A metildopa é a droga mais utilizada na gestação, seguida pela nifedipina e o labetalol (5).
Nos casos de hipertensas crônicas, o uso de AAS não comprovou redução de risco. A conclusão é que a indicação de seu uso profilático deva ser individualizada (5). Na eventualidade de surgirem dúvidas a respeito de sua indicação em determinado caso, o médico assistente dispõe do Canal 0800 do Telessaúde, através do telefone 0800 644 6543 (funcionando de segunda a sexta-feira, das 08 às 17:30h), que permite mais agilidade na tomada de decisão, resolvendo dúvidas em tempo real e sem necessidade de agendamento prévio.

Atributos da APS
Um dos fatores determinantes de um bom prognóstico perinatal para as gestantes com HAS é o início precoce do acompanhamento pré-natal qualificado (1).
É recomendável a educação continuada dos profissionais de saúde com enfoque na comunicação com a gestante, no preenchimento completo do cartão pré-natal e valorização deste como instrumento para identificar as gestantes de risco.
Entender que o fato da gestante ser hipertensa já denota a necessidade de uma intervenção diferenciada no pré-natal, com orientações acerca do manejo da doença e de suas possíveis complicações. Para tanto, é importante adequar o número de atendimentos no pré-natal, a fim de possibilitar maior tempo para esclarecimentos e orientações às gestantes (6).
Sem condições de prevenir a ocorrência de pré-eclâmpsia e suas manifestações clínicas é fundamental impedir a evolução da doença para as formas graves. Assim, o acesso de todas as gestantes à assistência pré-natal com qualidade tem sido a principal arma dos países desenvolvidos em diagnosticar precocemente a pré-eclâmpsia, reduzir a ocorrência de suas complicações e, consequentemente, as taxas de morbidade e mortalidade materna e perinatal decorrentes da mesma (3).
Importante destacar o papel de coordenação dos cuidados da APS, com acompanhamento compartilhado, nos casos em que haja necessidade de referenciar a gestante para um seguimento de pré-natal de alto risco. A coordenação de cuidados é um dos atributos da APS, e pode ser definida como a articulação entre os diversos serviços e ações relacionados à atenção em saúde de forma que, independentemente do local onde sejam prestados, estejam sincronizados e voltados ao alcance de um objetivo comum (7).

Bibliografia Selecionada:

  1. Duncan BB. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. – 4a ed. Porto Alegre: Artmed; 2013.
  2. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2010 [citado 2014 Dez 10];95(1 supl.1):1-51. Disponível em: http://publicacoes.cardiol.br/consenso/2010/Diretriz_hipertensao_ERRATA.pdf Acesso em: 19 fev 2015.
  3. Febrasgo. Manual de Orientação Gestação de Alto Risco [Internet]. 2011 [citado 2014 Dez 10]. Disponível em: http://febrasgo.luancomunicacao.net/wp-content/uploads/2013/05/gestacao_alto-risco_30-08.pdf Acesso em: 19 fev 2015.
  4. ESC Guidelines on the management of cardiovascular diseases during pregnancy: the Task Force on the Management of Cardiovascular Diseases during Pregnancy of the European Society of Cardiology (ESC) [Internet]. [cited 2014 Dec 10]. Disponível em: http://eurheartj.oxfordjournals.org/content/ehj/early/2011/08/26/eurheartj.ehr218.full.pdf Acesso em: 19 fev 2015.
  5. Tedoldi CL, Freire CMV, Bub TF, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia para Gravidez na Mulher Portadora de Cardiopatia. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2009;93(6 supl.1):e110-e178. Disponível em: http://publicacoes.cardiol.br/consenso/2009/diretriz_card_grav_9306supl1.pdf Acesso em: 19 fev 2015.
  6. Vettore MV, et al. Cuidados pré-natais e avaliação do manejo da hipertensão arterial em gestantes do SUS no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2011;27(5):1021-34. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v27n5/19.pdf
  7. Almeida PF. Estratégias de coordenação dos cuidados: fortalecimento da atenção primária à saúde e integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. 2010. Tese de Doutorado. Disponível em:
    http://www.arca.fiocruz.br/xmlui/bitstream/handle/icict/2586/ENSP_Tese_Almeida_Patty.pdf?sequence=1 Acesso em: 19 fev 2015.