A Neurossífilis pode causar vários tipos de síndromes neuropsiquiátricas. Era causa frequente de demência antes do aparecimento e disseminação do uso da penicilina no tratamento das fases iniciais da doença1,3. Atualmente não é frequente3, mas, embora incomum, a doença deve fazer parte do diagnóstico diferencial em pessoas de meia idade ou idosas, com deterioração cognitiva e/ou alteração de comportamento de início recente, principalmente em populações menos favorecidas socialmente1,2,4. Assim, como é muito simples excluir o diagnóstico de neurossífilis mediante teste treponêmico no sangue, este teste deve ser realizado em todo paciente com sintomas neuropsiquiátricos. Se os dados clínicos e laboratoriais forem sugestivos de processo infeccioso crônico, deve ser feito o exame do Líquido Cefalorraquidiano (LCR), pois a época em que o diagnóstico é estabelecido determinará o sucesso do tratamento 3,4.
Exames complementares recomendados em caso de demência
Todo paciente com diagnóstico sindrômico de demência deve ser investigado para causas potencialmente reversíveis com os seguintes exames laboratoriais: hormônio estimulante da tireoide (TSH), glicemia de jejum, vitamina B12, ácido fólico, Venereal disease research laboratory (VDRL) ou Fluorescent treponemal antibody absorption (FTA-ABS), que é muito mais sensível e específico (acurácia de 70% vs. 99%), creatinina (a insuficiência renal crônica pode ser causa de demência reversível ou estar associada/sobreposta à demência vascular), tempo de protrombina (a insuficiência hepática pode contribuir para a disfunção cognitiva), sódio para pacientes em uso de diuréticos ou carbamazepina (hiponatremia), anti-HIV para todos com menos de 70 anos e casos atípicos 6.
Quadro clínico Neurossífilis
Dos pacientes com sífilis primária não tratada, 25 a 40% vão desenvolver neurossífilis, que pode ser assintomática ou sintomática. As manifestações clínicas da neurossífilis são extremamente variadas, apresentando-se de cinco formas básicas, as quais, no entanto, podem se sobrepuser: forma assintomática, meningite sifilítica aguda, sífilis vascular cerebral, tabes dorsalis e paralisia geral progressiva, demência sifilítica ou demência paralítica. Esta última é a que pode apresentar sintomatologia psiquiátrica importante2.
A demência sifilítica aparece em geral 5 a 15 anos após a infecção primária, e evolui de forma progressiva. No geral, o início é insidioso e o curso pode ser flutuante, com períodos de exacerbação e remissão. Pode mimetizar qualquer síndrome neuropsiquiátrica. Em mais da metade dos casos ocorrem formas demenciais simples, associadas ou não a alterações neurológicas, como disartria, disgrafia, paralisia de nervos cranianos, convulsões, neuropatia periférica e outros. Evolui de forma progressiva com deterioração sutil da cognição, se manifestando com dificuldade de concentração, diminuição da capacidade intelectual, alterações da personalidade e do comportamento e discretas alterações de memória 2.
Diagnóstico de Neurossífilis
O diagnóstico de neurossífilis depende da combinação de vários resultados. O VDRL no líquido cefalorraquidiano é sensível, mas inespecífico. Contudo, na ausência de contaminação por sangue, é considerado diagnóstico de neurossífilis. Líquido cefalorraquidiano com mais de 5 leucócitos/mm3 é encontrado na neurossífilis [6].
O Mini Exame do Estado Mental é útil na detecção das alterações cognitivas e no seguimento do paciente, permitindo quantificar a evolução e a resposta ao tratamento4.
Tratamento de Neurossífilis
A penicilina é a droga de escolha para o tratamento da neurossífilis 2,5 – Penicilina G Cristalina aquosa 3-4 milhões U, EV, de 4/4 horas, por 10-14 dias.
O tratamento impede a progressão da doença , e mesmo certa melhora, é relatada com frequência na literatura. Entretanto, melhora significativa, ou mesmo a reversão completa dos sintomas, é pouco esperada, devido a irreversível destruição dos neurônios pelo T. pallidum 4.
Prognóstico dos pacientes com neurossífilis
O prognóstico dos pacientes com neurossífilis depende muito da precocidade do tratamento. Caso sejam tratados nos primeiros 3 meses da doença, até 50% poderão apresentar remissão dos sintomas. Após 1 ano de evolução, no entanto, são poucas as chances de melhora. Os casos não tratados tendem a evoluir para o óbito em cerca de 3 anos. Portanto, o diagnóstico precoce e preciso é fortemente desejado 2.
Coinfecção com HIV
Já que a sífilis e a infecção pelo HIV estão associadas em alta proporção atualmente devido à presença de fatores de risco e vias de transmissão comuns, a infecção pelo HIV deve ser considerada em todos os pacientes com sífilis. A coinfecção com HIV, que pode acelerar o curso e alterar a resposta ao tratamento da sífilis nesses pacientes 2,4.
Atributos da APS
Abordagem Familiar – A demência provoca diversas mudanças e altera a dinâmica familiar, sendo indispensável o apoio terapêutico para o paciente e também para o cuidador/familiar.
1. Gallucci NJ, Tamelini MG, Forlenza OV. Diagnóstico diferencial das demências Rev. Psiq. Clín. 2005 June; 32(3):119-130. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rpc/v32n3/a04v32n3
2. Santos HMPA, et al. A Importância de Incluir Neurossífilis no Diagnóstico Diferencial de Pacientes com Défcit Cognitivo e Alteração do Comportamento; DST – J bras Doenças Sex Transm 2010; 22(3): 150-152. Disponível em: http://www.dst.uff.br/revista22-3-2010/A%20importancia%20de%20incluir%20neurossifilis.pdf
3. Nitrini R, Paiva ARB, Tadaotakada L, Brucki SMD. Did you rule out neurosyphilis?. Dement. Neuropsychol. 2010;4(4):338-345 Disponível em: http://demneuropsy.com.br/detalhe_artigo.asp?id=249
4. Vargas AP, Carod-Artal, FJ,Del Negro MC, Rodrigues MPC. Demência por neurossífilis evolução clínica e neuropsicológica de um paciente . Arq. Neuro-Psiquiatr. 2000 June;58(2B):578-582. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-282X2000000300029&script=sci_abstract&tlng=pt
5. Duncan B, Schmidt I, Giugliani EJ, Duncan S, Giugliani CA. Medicina Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária Baseadas em Evidências, 4th Edition. ArtMed, 2013. VitalBook file.
6. Gustavo G, Lopes JMCeratti organizadores. Tratado de Medicina de Família e Comunidade – princípios, formação e prática – 2volumes. ArtMed, 2012. VitalBook file