As hepatites virais são doenças provocadas por diferentes vírus, que têm em comum o fato de infectar as células do fígado, mas que apresentam características epidemiológicas, clínicas e laboratoriais distintas.
Os agentes causadores das hepatites virais mais relevantes do ponto de vista clínico e epidemiológico são designados por letras do alfabeto, especialmente os vírus A, B e C.
São designados rotineiramente pelas seguintes siglas: vírus da hepatite A (HAV), vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV).
Quanto às formas de transmissão, as hepatites virais podem ser classificadas em dois grupos: o grupo de transmissão fecal-oral (em que está o HAV) tem seu mecanismo de transmissão ligado a condições de saneamento básico, higiene pessoal, qualidade da água e dos alimentos. A transmissão percutânea (inoculação acidental) ou parenteral (transfusão) do vírus A são muito raras.
O segundo grupo (em que se incluem o HBV e o HCV) possui diversos mecanismos de transmissão, como o parenteral, sexual, compartilhamento de objetos contaminados (agulhas, seringas, lâminas de barbear, escovas de dente, alicates de manicure), utensílios para colocação de piercing e confecção de tatuagens e outros instrumentos usados para uso de drogas injetáveis e inaláveis.
Há também o risco de transmissão através de acidentes perfurocortantes, procedimentos cirúrgicos e odontológicos e hemodiálises sem as adequadas normas de biossegurança.
Hoje, após a triagem obrigatória nos bancos de sangue (desde 1978 para a hepatite B e 1993 para a hepatite C), a transmissão via transfusão de sangue e hemoderivados é relativamente rara.
A transmissão por via sexual é mais comum para o HBV que para o HCV. Na hepatite C poderá ocorrer a transmissão principalmente em pessoa com múltiplos parceiros, coinfectada com o HIV, com alguma lesão genital (DST), alta carga viral do HCV e doença hepática avançada.
Os vírus das hepatites B e C possuem também a via de transmissão vertical (da mãe para o bebê). Geralmente, a transmissão ocorre no momento do parto, sendo a via transplacentária incomum.
As manifestações clínicas das hepatites virais dividem-se em quadro agudo, crônico, ou doença hepática fulminante.
Após entrar em contato com o vírus da hepatite o indivíduo pode desenvolver um quadro de hepatite aguda, podendo apresentar formas clínicas com pouco ou nenhum sintoma ou com várias manifestações clínicas.
No primeiro caso, as manifestações clínicas estão ausentes ou são bastante leves e inespecíficas, simulando um quadro gripal.
No segundo, a apresentação é típica, com os sinais e sintomas característicos da hepatite como febre, icterícia (“amarelão”) e colúria (escurecimento da urina). No nosso meio, a maioria dos casos de hepatite aguda sintomática deve-se aos vírus A e B. O vírus C costuma apresentar uma fase aguda com pouco ou nenhum sintoma.
Caracteristicamente, a fase aguda (hepatite aguda) atravessa três estágios. A primeira fase (período prodrômico ou pré-ictérico) é o período após a fase de incubação do vírus e anterior ao aparecimento da icterícia. Os sintomas são inespecíficos, como inapetência, náuseas, vômitos, diarréia (ou raramente constipação), febre baixa, dor de cabeça, malestar, fraqueza e cansaço, dores musculares.
A segunda fase (fase ictérica), como o nome diz, inicia com o aparecimento da icterícia e em geral há diminuição dos sintomas prodrômicos.
Existe aumento de tamanho do fígado, que se torna doloroso, com ocasional aumento do baço. A terceira fase (fase de convalescença) é o período que se segue ao desaparecimento da icterícia, quando retorna progressivamente a sensação de bem-estar.
A recuperação completa ocorre após algumas semanas, mas a fraqueza e o cansaço podem persistir por vários meses.
A fase aguda (hepatite aguda) tem seus aspectos clínicos e virológicos limitados aos primeiros seis meses da infecção e a persistência do vírus após este período caracteriza a cronificação da infecção. Os vírus B e C têm potencial para desenvolver formas crônicas de hepatite. O potencial para cronificação varia em função de alguns fatores ligados aos vírus e outros ligados ao indivíduo infectado.
De modo geral, a taxa de cronificação do HBV é de 5% a 10% dos casos em adultos. Todavia, esta taxa chega a 90% para menores de 1 ano e 20% a 50% para crianças de 1 a 5 anos.
Pessoas com qualquer tipo de imunodeficiência também têm maior chance de cronificação após uma infecção pelo HBV. Para o vírus C, a taxa de cronificação varia entre 60% a 90% e é maior em função de alguns fatores do hospedeiro (sexo masculino, imunodeficiências, idade acima de 40 anos).
Os indivíduos com infecção crônica funcionam como reservatórios do respectivo vírus, tendo importância epidemiológica por serem os principais responsáveis pela perpetuação da transmissão. Eles se dividem entre portadores assintomáticos e doentes por hepatite crônica.
Os primeiros são indivíduos com infecção crônica que não apresentam manifestações clínicas, que têm replicação viral baixa ou ausente e que não apresentam evidências de alterações graves em biópsia do fígado. Em tais situações, a evolução tende a ser benigna, sem maiores conseqüências para a saúde. Contudo, estes indivíduos são capazes de transmitir hepatite.
Os portadores de hepatite crônica são indivíduos com infecção crônica que apresentam sinais de atividade da doença em biópsia e que apresentam exames de sangue que indicam multiplicação ativa do vírus no organismo.
Podem ou não apresentar sintomas na dependência do grau de dano hepático (deposição de fibrose) já estabelecido. Apresentam maior propensão para uma evolução desfavorável, com desenvolvimento de cirrose e suas complicações. Eventualmente, a infecção crônica só é diagnosticada quando a pessoa já apresenta sinais e sintomas de doença hepática avançada (cirrose e/ou câncer de fígado).
A hepatite fulminante é o desenvolvimento de insuficiência hepática no curso de uma hepatite aguda. É caracterizada por comprometimento agudo da função do fígado, manifestado por diminuição dos fatores da coagulação e presença de alterações do funcionamento cerebral (encefalopatia hepática) no período de até 8 semanas após o início da icterícia. A mortalidade é elevada (40% e 80% dos casos).
A etiologia da hepatite fulminante varia conforme as regiões geográficas. Nos países mediterrâneos, a maioria dos casos (45%) é de origem indeterminada e a hepatite A e B representam 15% e 10% dos casos, respectivamente.