Para a avaliação de uma gestante com história de Rh negativo é fundamental ter um exame confirmatório, saber o fator Rh do pai da criança e acompanhar, se necessário, por meio da verificação do exame de Coombs indireto, a situação sorológica da paciente (com a periodicidade que dependerá de sua idade gestacional). É muito importante avaliar se houve alguma das principais formas de exposição materna ao sangue fetal, como: deslocamento prematuro de placenta; abortamento espontâneo; morte fetal intraútero; gestação ectópica; mola hidatiforme; amniocentese; biópsia de vilosidades coriônicas; cordocentese; abortamento induzido; transfusão sanguínea intrauterina; versão externa; manipulação obstétrica e trauma abdominal. É imprescindível que o diagnóstico se antecipe à Doença Hemolítica Perinatal (DHP). Isso significa que, ao se firmar o diagnóstico de DHP, reconhecemos que medidas importantes deixaram de ser tomadas antes da atual gestação. São recomendadas as seguintes atitudes preventivas:
Período pré-gestacional: detecte a mulher com risco de desenvolver isoimunização maternofetal, pela solicitação da tipagem sanguínea com definição do fator Rh. Caso se identifique fator Rh negativo, deve-se pesquisar a presença do anticorpo anti-D, por meio do teste de Coombs indireto;
Período pré-natal: adote medidas recomendadas para o período pré-gestacional, caso ainda não tenham sido realizadas. A preocupação nesta fase é a instalação da DHP.
Se forem identificados anticorpos anti-D (Coombs indireto positivo), as gestantes devem ser encaminhadas ao pré-natal de alto risco, no qual se determinará a intensidade da hemólise provocada no feto e poderão ser indicados procedimentos invasivos com maior brevidade. Caso o Coombs indireto resulte negativo, no entanto, como resultado de uma falta de evidências em relação ao custo-benefício da periodicidade da pesquisa desse anticorpo, há pouco consenso entre sociedades profissionais no que diz respeito às melhores práticas. Seguindo as recomendações do Ministério da Saúde ele deve ser novamente solicitado a cada 4 semanas, após a 24ª semana gestacional (1). A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia recomenda que isso seja feito após a 20ª semana gestacional (2).
Período pós-natal: tem o objetivo de proteger as gestações futuras. Promove-se, na gestante com Rh negativo, a pesquisa do grupo sanguíneo e do fator Rh no sangue do recém-nascido, assim como o teste de Coombs direto para verificar a presença de anticorpos maternos anti-D no seu sangue. Se o recém-nascido for Rh positivo e seu Coombs direto for negativo, a mãe deverá receber a imunoglobulina protetora.
Informações adicionais
Doença hemolítica perinatal
A Doença Hemolítica Perinatal (DHP) caracteriza-se pela hemólise fetal, com suas múltiplas e graves repercussões sobre a vitalidade do feto. É decorrente da incompatibilidade sanguínea materno-fetal, em que anticorpos maternos atravessam a barreira placentária e agem contra antígenos eritrocitários fetais. Ocorre, neste caso, uma reação antígeno-anticorpo que promove a hemólise eritrocitária. Isso representa, em maior ou menor grau, o principal determinante das diversas manifestações clínicas da doença (anemia, hipóxia).
Também conhecida como isoimunização (produção de anticorpos em resposta a antígenos provenientes de um ser da mesma espécie), a DHP tem como pré-requisito a transfusão de sangue com fator Rh positivo para a mulher com fator Rh negativo. Embora a doença hemolítica não seja exclusiva do sistema Rh, esta forma de incompatibilidade (sistema Rh) é responsável por 80% a 90% dos casos de Doença Hemolítica Perinatal clinicamente detectável. O principal antígeno de grupo sanguíneo associado à DHPN é o antígeno D, um dos 50 antígenos do sistema Rh.
Em princípio, as células do sangue materno e fetal não se misturam, mas, de fato, pequenos sangramentos podem ocorrer durante a gestação e permitir o contato. De início, os anticorpos produzidos são IgM, que não atravessam a placenta. Em seguida, há produção de anticorpos IgG, moléculas pequenas que atravessam a placenta e provocam a ruptura das hemácias fetais, gerando um quadro progressivo de anemia. O feto inicia, então, uma eritropoese compensatória à custa da medula óssea, do fígado e do baço, chegando a liberar na circulação eritroblastos jovens e imaturos, até cursar com hepatoesplenomegalia importante. Com a progressão do quadro, o feto sofre de hidropisia fetal (resultante da infiltração hepática por tecido hematopoiético), hipertensão do sistema porta (compressão parenquimatosa dos vasos porta) e hipoproteinemia (insuficiência de síntese). A evolução para hidropisia é acompanhada por insuficiência cardíaca congestiva, anóxia e óbito.
As principais formas de exposição materna ao sangue fetal são:
Espontânea: Momento do parto; Deslocamento prematuro de placenta; Abortamento espontâneo; Morte fetal intraútero; Gestação ectópica; Mola hidatiforme.
Traumática: Amniocentese; Biópsia de vilosidades coriônicas; Cordocentese; Abortamento induzido; Transfusão sanguínea intrauterina; Versão externa; Manipulação obstétrica; Trauma abdominal.
Se a mãe é RhD negativo e o feto RhD positivo, a mãe tem 9% de chance de ser estimulada a produzir Anti-D (3) (nível de evidência D); entretanto, na presença de compatibilidade ABO, o risco de isoimunização Rh é maior, podendo ocorrer em 16 a 17% dos casos (4,5). Antes do nascimento, o risco de sensibilização é de 1,5 a 1,9% (6). Todavia, o maior risco de imunização é durante o parto. Imediatamente após o parto, 1% das mulheres RhD negativo com fetos ABO compatíveis/RhD positivo apresentarão Anti-D. Após seis meses, essa taxa sobe para 4 a 9%. Já após a segunda gestação de feto ABO compatível/RhD positivo, a incidência de imunização é de 17% (6). Há evidências de isoimunização Rh em 1,8% das mulheres D negativo durante a gestação. Tal forma de isoimunização corresponde a 14% de todos os casos de isoimunização Rh e trata-se da forma mais importante de isoimunização Rh residual (4). (nível de evidência D).
Bibliografia Selecionada:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. 1. ed. rev. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2013. (Cadernos de Atenção Básica, n° 32). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_pre_natal_baixo_risco.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2016.
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO. Manual de orientação gestação de alto risco. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. FEBRASGO – Manual de Orientação Gestação de Alto Risco. Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia, 2011. Disponível em: <https://pt.scribd.com/doc/88962406/Manual-Gestacao-Alto-Risco-2011>. Acesso em: 02 jun 2016.
MOLLISON, PL ; ENGELFRIET, CP; CONTRERAS, M. Blood Transfusion in Clinical Medicine. 10th ed. United Kingdom: Blackwell Science, 1997.
MANNIING, FA (Ed.). Medicina Fetal: perfil biofísico, princípios e aplicabilidade clínica. Rio de Janeiro: Revinter; 2000.
BOWMAN, RM. The development and use of polyclonal prophylactic anti-D IgG. Biotest Bull, 1997.
NARDOZZA, Luciano Marcondes Machado. Bases moleculares do sistema Rh e suas aplicações em obstetrícia e medicina transfusional. Revista da Associação Médica Brasileira. São Paulo, 2010 ; 56 : 724-728. Disponíevel em: <http://www.scielo.br/pdf/ramb/v56n6/v56n6a26.pdf>. Acesso em: 02 jun 2016.
ABBEY, Rebecca MPA, et al.Cost–Benefit Analysis of Indirect Antiglobulin Screening in Rh(D)-Negative Women at 28 Weeks of Gestation. Obstetrics & Gynecology. 2014 ; 123(5) : p 938–945. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24785843