Inicialmente é preciso definir o padrão de sono (pregresso e atual) do paciente, a fim de diagnosticar seu quadro clínico e as possíveis causas para o relato de insônia. Avaliar a presença de comorbidades (incluindo a depressão) e o uso de outras medicações que possam interferir no ciclo sono-vigília.
O uso crônico de benzodiazepínicos, configura abuso de medicação, não sendo recomendado, em longo prazo, no tratamento dos transtornos da insônia¹.
Para o manejo do abuso de medicação em relação aos benzodiazepínicos, a conduta deve ser promover reduções nas dosagens de forma lenta e gradual, até sua retirada completa. Para tanto, podem ser usadas formulações em gotas, que têm o benefício de permitirem titulações lentas e praticamente imperceptíveis nos “degraus”. Por exemplo, reduzir uma gota (equivalente a 0,12mg de clonazepam) a cada duas ou mais semanas, parece colocar a redução da medicação em um patamar viável para o usuário. Quando não for possível a suspensão total, é importante repensar a relação do paciente com o “remédio”, procurando estabelecer o real motivo de sua manutenção².
A droga a ser introduzida, após a retirada do benzodiazepínico, dependerá da caracterização do quadro clínico, e fundamentalmente, da presença atual de depressão (transtorno frequente associado à insônia). Neste caso, a escolha recairá sobre os antidepressivos sedativos, como a trazodona, doxepina, mirtazapina¹. O zolpidem é a droga de escolha para o tratamento da insônia na ausência de depressão, sendo seu uso mais apropriado, e como tratamento em curto prazo, em associação a medidas não farmacológicas – terapia cognitivo-comportamental¹.
COMPLEMENTAÇÃO
Insônia
O Transtorno da Insônia caracteriza-se por uma dificuldade de iniciar o sono, dificuldade de manter o sono, despertar precoce e/ ou sono não restaurador. Estudos mostram que os indivíduos com insônia apresentam alterações do humor, ansiedade e redução da capacidade cognitiva relacionada à concentração, memória e atenção. Outros sintomas são irritabilidade, fadiga, falta de energia e desconforto físico, como dor¹.
Insônia crônica é associada ao aumento de adoecimento psiquiátrico, sendo a depressão o tipo mais comum¹´³. Estudos epidemiológicos têm revelado que pessoas com insônia apresentam maior risco de desenvolver depressão. Parece, contudo, que essa correlação é bidirecional, pois alguns estudos também revelam que episódio depressivo é preditor de insônia ao longo da vida. Indivíduos seriamente deprimidos têm pior padrão de sono quando comparado àqueles que apresentam depressão leve a moderada. Sendo assim, parece que esses dois transtornos são entidades distintas, mas que podem ser comórbidas mais do que simplesmente pelo acaso. Alguns dos sintomas diagnósticos de cada transtorno podem representar uma sobreposição e, em alguns momentos, tornar difícil o diagnóstico diferencial. Sabe-se que a insônia é uma queixa residual persistente nos pacientes deprimidos e um sintoma preditor de recorrência da depressão quando não adequadamente tratada¹.
O diagnóstico de insônia requer, além de uma avaliação psicossocial, uma entrevista completa sobre comportamento durante o sono, comorbidades como doenças clínicas gerais e transtornos psiquiátricos e o uso de medicamentos. Particular atenção deve ser dada para as doenças específicas do sono que se associam de forma importante com má qualidade do sono e insônia. Em ocasiões, os sintomas predominantes podem ser aqueles relacionados a comorbidades subjacentes, como dor, nas doenças reumatológicas, ou a doenças próprias do sono, por exemplo, o ronco, na síndrome da apneia obstrutiva do sono. Os sintomas, nesses casos, são fundamentais para orientar o diagnóstico¹.
Questionar especificamente sobre comportamentos e hábitos diurnos e noturnos do paciente: horários de deitar, levantar e presença de cochilos diurnos voluntários ou não; ingestão de bebidas alcoólicas e que contenham cafeína; o ambiente de dormir (barulho, claridade, temperatura) e atividades antes de dormir (televisão, uso de computador) (1,4).
O tratamento não farmacológico deve ser sempre indicado, isoladamente ou associado ao tratamento medicamentoso de pacientes com insônia crônica. Este, por meio de medidas de higiene do sono e controle de estímulos e também da terapia cognitivo-comportamental, tem um papel fundamental na redução do uso não racional de indutores do sono e hipnóticos (4).
Os fármacos utilizados para a insônia podem ser divididos em grupos: agonistas seletivos do receptor GABA-A (tendo como principal representante o zolpidem), antidepressivos sedativos (amitriptilina, trazodona, doxepina, mirtazapina e agomelatina), melatonina e agonista melatoninérgico (ramelteon), antipsicóticos sedativos (olanzapina e quetiapina), anticonvulsivantes (gabapentina, tiagabina, pregabalina e gaboxadol), anti-histamíncos (prometazina, hidroxizina e difenidramina) e valeriana¹.
O zolpidem é o hipnótico de escolha para tratamento do transtorno de insônia. É um agente não benzodiazepínico pertencente ao grupo das imidazopiridinas, podendo ser utilizado para a insônia inicial ou de manutenção. No Brasil, temos apresentações de 10 mg, via oral (VO) de liberação imediata, com meia-vida curta de duas horas e meia; de 6,25 mg e 12,5 mg, VO de liberação prolongada, comprimidos com uma parte de liberação imediata e outra de liberação controlada que mantém a concentração plasmática sustentada após três a seis horas; e de 5 mg, sublingual, de liberação rápida¹.
O risco de dependência desses medicamentos é baixo, mesmo com o uso prolongado. Alguns estudos mostraram a sua eficácia por 6 a 12 meses sem o desenvolvimento de tolerância¹.
A efetividade do tratamento farmacológico da insônia deve ser avaliada levando-se em consideração os dois objetivos primários do tratamento, que são melhorar a qualidade do sono e aliviar os prejuízos que a insônia causa à vida diária¹.
Abuso de benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos (BZD) são os “campeões de audiência” em termos de utilização no nosso país (e colocam o Brasil no topo de ranking dos países que mais os consomem). Ambiguamente, são motivo de revoltas e tabus no dia a dia das unidades, com usuários implorando por renovação de receitas e médicos contrariados em fazê-lo. Enfrentar esta pandemia (dada a cronicidade das altas taxas de uso) deve ser tomada como uma responsabilidade compartilhada²
Os benzodiazepínicos conseguiram justamente se popularizar por terem efeitos ansiolíticos com baixo risco de morte, quando comparados aos barbitúricos. Talvez por isso, ocupam um lugar particularmente importante no imaginário popular e, em algumas práticas cronificadas dos serviços de saúde, podem funcionar como um escape para a impotência do profissional diante das queixas e sintomas subjetivos dos pacientes, sem um equivalente orgânico².
Lamentavelmente, esta prática produz a medicalização de problemas pessoais, sociofamiliares e profissionais, para os quais o paciente não encontra solução e acaba por acreditar na potência mágica dos medicamentos. O uso continuado provoca fenômenos de tolerância (necessidade de doses cada vez maiores para manutenção de efeitos terapêuticos) e dependência (recaída de sintomas de insônia e ansiedade quando da suspensão abrupta do uso) ². Depois de estabelecido o quadro de tolerância, os benzodiazepínicos pioram o sono. Outros efeitos bastante comuns são os déficits cognitivos (perda de atenção, e dificuldade de fixação), que tendem a se instalar no curso da utilização desses medicamentos².
A insônia rebote, que é a piora do tempo acordado após a retirada dos benzodiazepínicos cronicamente, é o sintoma mais observado nos usuários deste tipo de medicação¹.
Em si, quando bem indicados, os benzodiazepínicos podem se configurar como ferramentas úteis e confiáveis como indutor de sono em situações de adaptação a estresse, por exemplo. Mas é preciso ter o máximo cuidado na hora de iniciar o uso dessas medicações, colocando sempre um prazo limite de algumas semanas, negociando com o usuário a redução gradual. Neste sentido, é fundamental considerar que, para o manejo de longo prazo para queixas crônicas de “ansiedade”, é mais interessante incluir alguma medicação “antidepressiva” (amitriptilina, fluoxetina etc.). Vale a pena esgotar as opções destes “antidepressivos” (substâncias e doses) e resguardar ao máximo o uso dos benzodiazepínicos ².
Todos os benzodiazepínicos agem de maneira idêntica: eles ativam o sistema GABA, que é um sistema inibitório da função neuronal. Daí seus efeitos sedativos, relaxantes musculares e mesmo anticonvulsivantes. São drogas que diferem basicamente em termos de meia vida, tempo de absorção e via de eliminação².
O sintoma-alvo principal dos benzodiazepínicos é a ansiedade, seja por reação aguda ao estresse, em crises psicóticas ou em quadros “primários” de transtorno de ansiedade. Por seu efeito sedativo e relaxante, também são muito utilizados para insônia. Também podem ser úteis na síndrome de abstinência tanto de álcool quanto de cocaína ou crack. Os riscos dos benzodiazepínicos, além da dependência, estão relacionados à sedação secundária (acidentes) e à depressão respiratória quando utilizados em associação com outras drogas sedativas ².
ATRIBUTOS APS – Na Atenção Básica, no contexto da prescrição medicamentosa para transtornos depressivos/ansiosos, é preciso compreender que seu uso só faz sentido quando dentro de um contexto de vínculo e de escuta. É a partir do momento em que o usuário compreende e se corresponsabiliza pelo uso da medicação que passará a não somente demandar “troca de receitas”, mas poderá se implicar um pouco diante das queixas que traz. Para o profissional, diante de alguém em sofrimento, é importante considerar a perigosa ideia de que o remédio possa representar uma solução rápida, uma resposta para uma angústia que sente diante da impotência e da vontade de extirpar o problema (2,5).
É importante considerar os sintomas apresentados, e o contexto familiar, laboral ou interpessoal, definindo um ou alguns problemas-alvo para a medicação e também fazendo caber a prescrição dentro de um projeto terapêutico que contemple outras intervenções ².
Assim, atenção e cuidado na prescrição inicial destas medicações (sobretudo os benzodiazepínicos) são essenciais para evitar abuso. Um raciocínio interessante é considerar o tempo de cada medicação: algumas situações demandam “apagar incêndio” e o efeito em curto prazo é o mais esperado. É o caso de uma crise de ansiedade, ou de alguém em episódio psicótico grave (ex.: delírios persecutórios bastante invasivos) que está se colocando em risco de morte. Em outras situações, os efeitos tardios (que levam alguns dias ou semanas para iniciar) devem estar no horizonte da intervenção ².