Como organizar o acolhimento em saúde?

| 1 dezembro 2014 | ID: sofs-15296
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH: ,

A organização do acolhimento em saúde não inclui exclusivamente a demanda espontânea, mas um conjunto de ações que objetivam dar respostas às necessidades da comunidade. Deve, portanto, partir do diagnóstico de problemas e do planejamento em saúde, buscando romper com a ideia do mesmo como uma ação pontual, centrada na doença e nos procedimentos e não no sujeito e em suas necessidades. (1) Nesse sentido, as informações originadas do diagnóstico das principais demandas e necessidades dos usuários devem promover reflexão, subsidiando a análise e as mudanças da prática e dos resultados do trabalho e, consequentemente, o planejamento em saúde. (2)
Para tanto, é preciso identificar os problemas e as potencialidades relacionadas às diferentes questões envolvidas com o acolhimento, como aquelas relativas à própria organização dos serviços, à satisfação dos usuários e ao desenvolvimento e crescimento profissional e pessoal dos trabalhadores/equipes nesse processo (1). Os diferentes aspectos devem ser discutidos amplamente na perspectiva de uma avaliação participativa e formativa envolvendo profissionais, usuários e gestão municipal, buscando provocar movimentos diversos, como a capacitação, o levantamento, a construção e a pactuação de ações que orientem a renovação do trabalho/serviços e propiciem aprendizagens coletivas (1).
Como resultado, a organização do atendimento às demandas espontâneas e programadas, ambas integrantes do processo de acolhimento em saúde, deve basear-se nas necessidades observadas e se dar como um processo contínuo que permite modificações a medida que novas demandas surgem (3). Dados epidemiológicos podem ser úteis para indicar uma necessidade e assim organizar o serviço, no entanto é importante se ter em mente que não é a única forma de caracterizar essas necessidades (3). Para isso pode-se realizar um diagnóstico das principais queixas decorrentes das demandas espontâneas e também das necessidades observadas e relatadas durantes visitas domiciliares ou nos grupos.
A partir desse diagnóstico podem-se programar quantas consultas de demanda espontânea e programada serão disponibilizadas, quantas consultas serão destinadas aos retornos de rotina dos pacientes programados, como organizar a agenda do médico, da enfermagem e da odontologia e como organizar o atendimento no curativo, vacina, farmácia e em outros setores da Unidade de Saúde.
Assim sendo, para acolher as demandas da comunidade não basta distribuir senhas e encaminhar todas as pessoas ao atendimento médico. O acolhimento com classificação de risco, um dos dispositivos da Política Nacional de Humanização, justamente prevê, para promover mudanças nos modelos de atenção e gestão, o rompimento com a lógica perversa do atendimento por ordem de chegada (2). Nesse sentido, busca-se sua organização de modo a promover ampliação efetiva do acesso à Atenção Básica e aos demais pontos de atenção do SUS, juntamente com outras medidas organizacionais instituídas, objetivando a redução/eliminação de filas, a organização do atendimento com base em riscos priorizados e a adequação da capacidade de resolubilidade (2).
Com frequência as equipes planejam a agenda distribuindo 60% ou 70% das vagas de consultas para atendimento à demanda programada e 40% ou 30% das vagas para demanda espontânea4. Um problema que surge nessa forma de organização é que ela pode engessar o sistema por não permitir flexibilizar a agenda conforme as necessidades da comunidade, além de, frequentemente, levar a demora nos atendimentos por agendas lotadas (5).
Um novo modelo tem surgido, o Acesso Avançado, que tem por objetivo reduzir as filas de espera na Atenção Primária. De acordo com este modelo, os pacientes que necessitam de atendimento são agendados para o mesmo dia com pessoas de sua equipe de atendimento. Nos sistemas tradicionais, os pacientes acabam sendo direcionados para atendimento com um membro de outra equipe que é desconhecido ao paciente, mesmo que seu próprio médico ou enfermeiro esteja presente, isso porque a agenda de consultas do médico/enfermeira de sua referência está lotada. Nesse caso a continuidade dos cuidados fica prejudicada. O novo modelo (acesso avançado) pode melhorar a continuidade porque todos os médicos/enfermeiros têm agendamentos disponíveis. (5)
O acesso avançado rejeita a ideia de classificar a demanda em duas filas: de rotina e urgência. O objetivo do projeto principal de um avançado sistema de acesso é fazer o trabalho de hoje. Esse modelo de acesso demanda os agendamentos pelo tipo de médico e não por urgência clínica. A questão crucial para a atribuição de agendamentos é simplesmente: “seu médico de referência aqui hoje?” Neste modelo, cada médico/enfermeiro consegue atender diariamente demandas dos seus próprios pacientes. Algumas demandas podem ser agendadas para o futuro, isto é, visitas para os pacientes que não desejam a oferta para hoje, e para os pacientes que são vistos hoje e precisam voltar em algum futuro definido. (5)
Ao oferecer a todos os pacientes uma consulta hoje, o modelo praticamente elimina a função de triagem, liberando o pessoal para outras tarefas e reduzindo interrupções médicas/enfermeiros e telefonemas de retorno. Alguns médicos podem pensar que a demanda de pacientes para consultas se tornará insaciável, criando mais e mais trabalho a cada dia. Na verdade, sistemas que implementaram o acesso avançado descobriram que a demanda de pacientes diminui, simplesmente porque os pacientes são mais frequentemente capazes de ver o seu próprio médico(equipe). (5)
O acesso avançado pode funcionar bem, mesmo se a demanda exceder a capacidade em um determinado dia. No entanto, se a procura excede a capacidade permanentemente, nenhum sistema vai funcionar, nem o modelo tradicional nem o acesso avançado. No entanto, para isso é necessário delimitar o número de pessoas por equipe, para que ela possa dispor de um melhor cuidado para o paciente, melhorando o acesso ao profissional de referência e reduzindo a sobrecarga de trabalho para esses profissionais. Para calcular o número de paciente por equipe deve-se avaliar o número de pessoas que procuraram consulta médica nos últimos 18 meses. Então se usa uma fórmula: número de pacientes por médico x consultas por paciente por ano (demanda) = consultas médicas por dia x dias trabalhados por médico por ano (produção). (5)


Organizar o acolhimento a partir das necessidades dos usuários exige, portanto, que a equipe reflita sobre o conjunto de ofertas que tem disponível, pois todas as práticas de saúde da Unidade precisam estar à disposição para serem utilizadas quando necessário. Para isso as equipes precisam de espaço para reflexão e discussão do seu processo de trabalho, para planejarem as ações e definirem o modo como os diferentes profissionais participarão do acolhimento, isto é, quem vai receber o usuário que chega; como avaliar o risco e a vulnerabilidade desse usuário; o que fazer de imediato; quando encaminhar/agendar uma consulta médica; como organizar a agenda dos profissionais; que outras ofertas de cuidado (além da consulta) podem ser necessárias; etc. (6)
O planejamento deve gerar, dessa forma, uma atitude de mudança no fazer o acolhimento em saúde que implique no protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de produção de saúde.(7) Nesse sentido, deve promover:
a) reorganização do serviço de saúde a partir da reflexão e problematização dos processos de trabalho, de modo a possibilitar a intervenção de toda a equipe multiprofissional encarregada da escuta e resolução dos problemas do usuário;
b)
elaboração de projeto terapêutico individual e coletivo com horizontalização, por linhas de cuidado;
c) mudanças (…) na forma de gestão do serviço de saúde, ampliando os espaços democráticos de discussão, escuta, trocas e decisões coletivas, pois a equipe nesse processo, pode também garantir acolhimento para seus profissionais e as dificuldades de seus componentes na acolhida à demanda da população;

d)
postura de escuta e compromisso em dar respostas às necessidades de saúde trazidas pelo usuário, que inclua sua cultura, saberes e capacidade de avaliar riscos; e,
e) construção coletiva de propostas com a equipe local e com a rede de serviços e gerências centrais e distritais
.(7)
Como exemplo, um estudo (8) analisou a demanda não-programada de crianças e adolescentes de uma UBS em Belo Horizonte, e identificou a necessidade de trabalhar para que o acesso se tornasse mais inclusivo, permitindo que o usuário conhecesse a estrutura do serviço, da rede assistencial e se sentisse capaz de influenciar em seu andamento. Além disso, nesse contexto, verificou-se ser preciso qualificar a relação trabalhador/usuário, investigar as microáreas de risco elevado, procurando identificar necessidades não expressas e direcionando as ações em saúde, e repensar as agendas dos profissionais de modo a definir prioridades e expandir a oferta de ações com base nos resultados encontrados. Por fim, identificou-se que a organização do processo de trabalho deve propiciar o deslocamento do eixo centrado no médico para uma equipe multiprofissional, equipe de acolhimento, que se encarregue da escuta do usuário e se comprometa em buscar a resolução de seus problemas. (8)

SOF Relacionadas:

  1. Quais as estratégias que podemos utilizar para implementação do acolhimento em uma ESF?
  2. Qual a diferença entre triagem e acolhimento?

Bibliografia Selecionada:

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento e avaliação na Política Nacional de Humanização na Atenção Básica e Hospitalar: manual com eixos avaliativos e indicadores de referência. 2006; p. 1-30. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_5.pdf Acesso em: 8 dez 2014.
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Cartilha Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS: material de apoio. 2006; p. 5-11. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/hijg/gth/Cartilha%20da%20PNH.pdf  Acesso em: 8 dez 2014.
  3. Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Caderno de Saúde Pública. 2004; 20(5): 1411-16. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v20n5/37.pdf Acesso em: 8 dez 2014.
  4. Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. Oficina 6: programação da atenção primária. Oficinas da APSUS: formação e qualificação profissional em atenção primária à saúde. 2013: 67. Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/ApostilaAPSUS_FINAL_SEMCORTES.pdf  Acesso em: 8 dez 2014.
  5. Murray M, Berwick D. Advanced access: reducing waiting and delays in primary care. EUA, Rev. JAMA, v.289, n.8, p: 1035-40, 2003. Disponível em: http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=196024 Acesso em: 8 dez 2014.
  6. Brasil. Acolhimento à demanda espontânea. Cadernos de Atenção Básica. 2013; 28(1): 23-39. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_demanda_espontanea_cab28v1.pdf  Acesso em: 8 dez 2014.
  7. Abbes C; Massaro A. Acolhimento com avaliação e classificação de risco: um paradigma ético-estético no fazer em saúde. In: Cartilha Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS: material de apoio. 2006; p 24-36. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/hijg/gth/Cartilha%20da%20PNH.pdf Acesso em: 8 dez 2014.
  8. Alves CRL; Garcia JL; Silveira CCG; Maciel GVR; Souza MTS. Análise do acolhimento de crianças e adolescentes para o planejamento das ações do PSF. Rev Bras Med Fam e Com. 2008; 3(12): 247-56. Disponível em: http://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/361 Acesso em: 8 dez 2014.