Os testes laboratoriais sorológicos para o diagnóstico de sífilis podem ser divididos inicialmente em não treponêmicos e treponêmicos, devendo ser interpretados à luz da história clínica, particularmente se houve exposição sexual de risco, e do exame físico. O conjunto dos achados é que define a presença ou ausência de infecção, bem como a fase em que infecção se encontra. A penicilina é a principal droga para o tratamento, mas a duração da prescrição varia conforme a fase da doença. A sorologia não treponêmica (VDRL) é indicada para o diagnóstico e seguimento terapêutico, haja vista sua propriedade de ser passível de titulação. A sensibilidade do teste é de 78% na fase primária, elevando-se nas fases secundária (100%) e latente (96%). Com mais de 1 ano de evolução, a sensibilidade cai progressivamente, fixando-se, em média, em 70%. A especificidade desse teste é de 98%.1 Os métodos não treponêmicos tendem a se tornar não reagentes após o tratamento; por isto são utilizados no seguimento.2 Salienta-se que, embora o VDRL costume apresentar queda progressiva nas titulações após o tratamento, ele ainda pode resultar reagente, em títulos menores, por longos períodos, sem que esta positividade signifique que a infecção não tenha sido curada; são os casos de cicatriz sorológica.1
Na sífilis em atividade a doença apresenta, habitualmente, altos títulos de VDRL (maiores ou iguais a 1/16). Esta condição ou a elevação de títulos do VDRL em quatro vezes ou mais, comparativamente ao último exame realizado, justificariam um novo tratamento para indivíduos previamente tratados. Casos com baixos títulos de VDRL no seguimento pós-tratamento podem corresponder a uma entre três opções: reações falso-positivas, doença muito recente ou doença muito antiga. Nesses casos, sempre que disponível, recomenda-se solicitar FTA-ABs, exame 100% específico para sífilis.3
A sorologia treponêmica (FTA-abs, TPHA, imunofluorescência) corresponde a testes específicos, úteis para confirmação diagnóstica. A sensibilidade dos testes treponêmicos na sífilis adquirida é de 84% na fase primária, de 100% nas fases secundária e latente, e de aproxmadamente 96% na sífilis terciária. O FTA-abs não é útil para seguimento após realização do tratamento, pois os anticorpos específicos podem permanecer detectáveis indefinidamente, podendo significar uma infecção tratada anteriormente.1
As doses para o tratamento da sífilis primária, da sífilis secundária (recente e latente) e da sífilis tardia (latente e terciária) são as mesmas: 2.400.000 UI de penicilina G benzatina por semana. O que muda é a duração do tratamento. Enquanto na sífilis primária a dose é administrada uma única vez, na sífilis tardia a recomendação é administra-la durante três semanas. Por outro lado, há controvérsia na literatura consultada1,4,5
Segundo Sparling e Hicks4, sífilis latente é definida como infecção assintomática, ou seja, determina-se por sorologia reativa de sífilis na ausência de sinais ou sintomas de infecção. Portanto, é conveniente gerenciar qualquer caso de sífilis latente de duração incerta como se fosse sífilis latente tardia, com 3 semanas de duração de tratamento1,2,4, uma vez que o Treponema pallidum divide-se lentamente, demandando terapia antimicrobiana prolongada. Para pacientes não alérgicos, a droga de escolha é a penicilina (grau 1B de recomendação), sendo a doxiciclina o esquema alternativo mais indicado.4
O Tratado de Medicina de Família e Comunidade subdivide os casos de sífilis em sífilis primária, secundária e tardia. A fase primária da doença é caracterizada pela presença do cancro (uma lesão ulcerada, única, indolor, com bordas duras em rampa e fundo limpo, altamente contagiosa, habitualmente localizada nas genitálias). Sífilis secundária é mencionada como a fase que ocorre dois meses após o cancro, com erupção cutânea generalizada e simétrica, cujo aspecto pode ser variável, embora o acometimento palmar das mãos seja bastante sugestivo. Finalmente, sífilis tardia é entendida como sinônimo de sífilis terciária, com a apresentação de manifestações sistêmicas da doença. O tratamento indicado é de dose única em casos de sífilis primária, secundária ou latente, enquanto nos casos de sífilis latente tardia recomenda-se uma dose por semana com três semanas consecutivas de duração5, conforme citado acima.
Já o Ministério da Saúde, em publicação sobre doenças infecciosas e parasitárias, divide a sífilis adquirida em dois grandes grupos: recente e tardia. O primeiro compreende o ano um de evolução da doença, podendo incluir sífilis primária, secundária e latente precoce e tardia. O segundo grupo compreende qualquer caso de sífilis a partir do segundo ano da doença; inclui, portanto, sífilis latente tardia. São recomendadas as posologias a seguir no tratamento. Sífilis primária: Penicilina G benzatina, 2.400.000UI, IM, dose única (1.200.000UI, IV, em cada glúteo). Sífilis recente secundária e latente: Penicilina G benzatina, 2.400.000UI, IM, uma vez por semana, 2 semanas (dose total de 4.800.000UI). Sífilis tardia (latente e terciária): Penicilina G benzatina, 2.400.000UI, IM, uma vez por semana, 3 semanas (dose total de 7.200.000UI).1
Sífilis terciária pode ser entendida como sinônimo de sífilis tardia. Refere-se a manifestações sintomáticas da doença envolvendo o sistema nervoso central (neurossífilis), o sistema cardiovascular, ou a pele e os tecidos subcutâneos. Neste último caso, as lesões são chamadas gomas, que também podem acometer ossos e outros tecidos. A sífilis tardia pode surgir tão cedo quanto um ano após a infecção inicial ou até 25 anos ou mais do momento em que se adquiriu o treponema. Neurossífilis é a apresentação mais comum de sífilis tardia observada na prática clínica atual, configurando-se também na forma mais difícil de diagnosticar e tratar da doença; requer, inclusive, administrações intravenosas da penicilina.4
Com base nas controvérsias expostas acima, seria sensato optar por tratar todos os casos de sífilis durante três semanas, à exceção daqueles que se apresentam com o cancro. Estes últimos são evidentemente recentes e por isto não requerem mais do que uma dose da penicilina para serem tratados com segurança.1,2,4,6
É fundamental identificar, localizar e prescrever o tratamento de sífilis também para parceiros(as) sexuais de pessoas com a referida infecção. Ainda, é prudente acompanhar os pacientes, oferecer testes sorológicos para outras infecções sexualmente transmissíveis e não considerar redundante orienta-los sobre o uso do preservativo como uma das únicas maneiras disponíveis para a prevenção dessas infecções1,5 (a outra maneira é a abstinência sexual). Tais medidas enquadram-se em alguns atributos da atenção primária à saúde, a saber, a continuidade do cuidado, o atendimento integral e a coordenação das necessidades de saúde da pessoa.7
1. Brasil. Ministério da Saúde. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. Brasília: Ministério da Saúde; 8a ed. rev. 2010. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_infecciosas_parasitaria_guia_bolso.pdf (acesso em 08 out. 2016).
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_tecnico_gestacao_alto_risco.pdf (acesso em 08 out. 2016).
3. Lorenzi DRS, Fiaminghi LC, Artico GR. Transmissão vertical da sífilis: prevenção, diagnóstico e tratamento. Femina. 2009;37(2):83-90. Disponível em: http://www.febrasgo.org.br/site/wp-content/uploads/2013/05/Feminav37n2p83-90.pdf
4. Sparling PF, Hicks CB. Pathogenesis, clinical manifestations, and treatment of late syphilis. UpToDate. 2016. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-clinical-manifestations-and-treatment-of-late-syphilis (acesso em 21 mar. 2016). Registration and login are necessary.
5. Fajardo CCR, Cromack L. Doenças sexualmente transmissíveis. In: Gusso G, Lopes JMC (organizadores). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 1. ed. 2012. p. 1060-1071.
6. Hicks CB, Sparling PF. Pathogenesis, clinical manifestations, and treatment of early syphilis. UpToDate. 2016. Disponível em : http://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-clinical-manifestations-and-treatment-of-early-syphilis (acesso em 21 mar. 2016). Registration and login are necessary.
7. Lopes JMC. Princípios da Medicina de Família e Comunidade. In: Gusso G, Lopes JMC (organizadores). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, formação e prática. Porto Alegre: Artmed; 1. ed. 2012. p. 1-11.