Em presença de hematúria, devemos excluir, primeiramente, causas transitórias de hematúria como: exercício vigoroso, infecção do trato urinário, intercurso sexual, trauma, toque retal, medicações (aminoglicosídeos, amitriptilina, analgésicos, aspirina, anticonvulsivantes, clorpromazina, diuréticos, contraceptivos orais, penicilinas, varfarina). Caso não se encontre justificativa de causa transitória, o exame qualitativo de urina (EQU) deverá ser repetido com intervalo de 4 a 8 semanas e solicitada cultura de urina. Se após novo exame persistir a hematúria vai-se para o segundo passo, que é avaliar se a origem da hematúria é glomerular ou não glomerular. O EQU simples permite documentar o grau de hematúria, avaliar a presença de cristais urinários, cilindros hemáticos e a morfologia dos eritrócitos como indicativo do local do sangramento: glomerular ou não-glomerular.
O dismorfismo eritrocitário é detectável no EQU simples, porém é necessário especificar no pedido pesquisa de dismorfismo eritrocitário no sedimento urinário, pois será necessário a análise pela microscopia de campo claro. Importante encaminhar a amostra, rapidamente, em até duas horas, ao laboratório, ou armazenar em geladeira por no máximo quatro horas. O ideal é fazer a coleta no laboratório.
Hematúria não glomerular caracteriza-se por eritrócitos urinários isomórficos, com tamanho uniforme e morfologia semelhante às encontradas na circulação sanguínea. A realização de exame de imagem, como ecografia de vias urinarias ou tomografia permitem visualizar anomalias estruturais, como cálculos, má formação, hidronefrose ou tumores, estando indicado para a realização do diagnóstico da origem da hematúria.
A hemorragia glomerular se caracteriza pelo dismorfismo eritrocitário, alterações de forma, cor e conteúdo de hemoglobina. A maioria dos autores consideram valores superiores a 20%. Outros autores referem valores de mais 5% de acantócitos ou células G1, um formato típico de dismorfia eritrocitária. Os acantócitos são considerados marcadores específicos para lesões glomerulares. Além da adoção do dismorfismo eritrocitário para investigação de sangramento glomerular, existem outros marcadores laboratoriais para diferenciação entre as hematúrias glomerulares e não-glomerulares. A Tabela 4 lista os principais marcadores, indicando seus valores de corte para diferenciação entre hematúria glomerular e não-glomerular.
Fonte: Vasconcellos, LS et als. 2005
Pacientes com hematúria de possível causa glomerular deverão ser encaminhados ao nefrologista. Para as hematúrias não glomerulares, dependendo do diagnóstico e da gravidade, poderão continuar a ser acompanhados na APS ou encaminhados ao urologista.
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