A partir de que idade podemos realizar consultas a crianças e adolescentes sem a presença de um responsável legal?

| 29 setembro 2015 | ID: sofs-21952
Solicitante:
DeCS/MeSH:

O atendimento de adolescentes tem particularidades que envolvem questões bioéticas, éticas e legais. Por ser uma etapa da vida de grandes crescimento e desenvolvimento, a clientela que procura o serviço de saúde é muito variada: alguns adolescentes ainda se encontram no início da puberdade e outros já têm desenvolvimento puberal mais avançado. Essas grandes e rápidas transformações tornam peculiares as ações a serem desenvolvidas com essa população.

Além disso, atualmente, devido à precocidade do início pubertário, do maior tempo de escolarização e da entrada tardia no mercado de trabalho, observa-se um prolongamento da adolescência. Quando um adolescente procura um serviço de saúde, a motivação pode ser dele, do seu responsável ou de ambos.

Para lhe oferecermos a oportunidade de falar de si, confidencialmente, é necessário que o atendimento sempre ocorra em dois momentos, o primeiro acompanhado de seu responsável e o segundo, só com o adolescente, pois ele pode não querer revelar algumas informações na presença de seus pais.


No atendimento à saúde de adolescente, alguns pontos devem ser considerados na abordagem clínica, destacando-se o estabelecimento do vínculo de confiança entre a equipe de saúde da família, o adolescente e sua família. Uma atitude acolhedora e compreensiva também possibilitará a continuidade de um trabalho com objetivos específicos e resultados satisfatórios no dia a dia.

Princípios importantes que facilitam a relação entre a equipe de saúde e o adolescente:

1. O adolescente precisa perceber que o profissional de saúde inspira confiança, que adota atitude de respeito e imparcialidade, restringindo-se às questões de saúde física. Não julga as questões emocionais e existenciais escutadas. Nesse terreno, o profissional de saúde não deve ser normativo.

2. O adolescente precisa estar seguro do caráter confidencial da consulta, mas ficar ciente também das situações nas quais o sigilo poderá ser rompido, o que, no entanto, ocorrerá sempre com o conhecimento dele. Essas situações estão relacionadas a riscos de morte do cliente e de outras pessoas.

3. É importante estar preparado não só para ouvir com atenção e interesse o que o adolescente tem a dizer, mas também ter sensibilidade suficiente para apreender outros aspectos que são difíceis de serem expressos oralmente por eles.

4. Geralmente, o atendimento de adolescente necessita de tempo e, na maioria das vezes, demanda mais de um retorno.

5. O modelo clássico de anamnese clínica mostra-se inadequado ao atendimento do adolescente na Unidade Básica de Saúde, pois não são considerados os aspectos da vida social, de trabalho, da sexualidade, da situação psicoemocional e violência, entre outros.

6. Na maioria das vezes, o adolescente não procura o médico espontaneamente, é levado pelos pais e, com certa frequência, contra a sua vontade. Assim, é comum defrontar-se com um jovem ansioso, inseguro, com medo ou, pelo contrário, assumindo uma atitude de enfrentamento, ou do mais absoluto silêncio.

7. Se o adolescente procurar a Unidade Básica de Saúde sem o acompanhamento dos pais, ele tem o direito de ser atendido sozinho. No entanto, a equipe poderá negociar com ele a presença dos pais ou responsáveis se for o caso.

8. A entrevista inicial poderá ser feita só com o adolescente, ou junto com a família. De qualquer forma, é importante haver momento a sós com o adolescente, que será mais de escuta, propiciando uma expressão livre, sem muitas interrogações, evitando-se observações precipitadas.

9. O exame físico exige acomodações que permitam privacidade e propiciem ambiente em que o adolescente se sinta mais à vontade.

É importante que, no primeiro encontro entre profissional de saúde, família e adolescente, explique-se o que é confidencialidade e a necessidade dela. Os diversos marcos legais que definem a adolescência ou o que significa ser um adulto são variados e acabam trazendo dificuldades no atendimento a saúde dos adolescentes, pois impedem que estes tenham clareza com relação aos seus direitos e deveres. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adolescência vai dos 12 aos 18 anos, e o Código Civil determina a maioridade aos 18. A imputabilidade também só é possível aos 18. Pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência vai dos 10 aos 20 anos incompletos. Entretanto, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e os Serviços de Saúde para Adolescentes atendem pacientes somente a partir dos 12 anos. Esse enquadramento variável confunde o profissional e o próprio adolescente, que às vezes se vê diante de tratamentos diferentes para situações semelhantes, dependendo da idade.

Os princípios éticos no atendimento a adolescentes nos serviços de saúde se referem especialmente a privacidade, caracterizada pela não permissão de outro no espaço da consulta; confidencialidade, definida como acordo entre profissional da saúde e cliente de que as informações discutidas durante e após a consulta não podem ser passadas aos responsáveis sem a permissão do adolescente. O Código de Ética Médica, em seu artigo 74, diz ser vedado revelar sigilo profissional relacionado ao paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente.

Nas situações em que se caracterizar a necessidade da quebra do sigilo medico, o paciente deve ser informado, justificando-se os motivos para essa atitude. Cada situação de conflito entre interesses do adolescente e os de seus responsáveis deve ser individualmente estudada, construindo-se conjuntamente uma decisão para aquele momento. Cada indivíduo tem um ritmo e época/idade particulares em que isso acontece. A análise de cada caso não pode haver regras, as exceções devem ser consideradas.

O Ministério da Saúde recomenda que qualquer exigência, como a obrigatoriedade da presença de um responsável para acompanhamento no serviço de saúde, que possa afastar ou impedir o exercício pleno do adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade, constitui lesão ao direito maior de uma vida saudável. Caso a equipe de saúde entenda que o usuário não possui condições de decidir sozinho sobre alguma intervenção em razão de sua complexidade, deve, primeiramente, realizar as intervenções urgentes que se façam necessárias, e, em seguida, abordar o adolescente de forma clara a necessidade de que um responsável o assista e o auxilie no acompanhamento. Havendo resistência fundada e receio que a comunicação ao responsável legal, implique em afastamento do usuário ou dano a sua saúde, se aceite pessoa maior e capaz indicada pelo adolescente para acompanhá-lo e auxiliar a equipe de saúde na condução do caso.

A ausência de uma norma federal, por exemplo, específica para o atendimento do adolescente nos serviços de planejamento familiar, não impede que em nível estadual e/ou municipal o mesmo seja regulado, respeitado os limites da legislação federal. Conclui-se que os adolescentes de ambos os sexos tem direito à educação sexual, ao sigilo sobre sua atividade sexual, ao acesso e disponibilidade gratuita do teste HIV e métodos contraceptivos e a demais insumos de prevenção, além da abordagem de assuntos peculiares desta faixa etária, como uso de drogas lícitas e ilícitas. A consciência desse direito implica em reconhecer a individualidade (e ao mesmo tempo a vulnerabilidade) do adolescente, estimulando a responsabilidade com sua própria saúde. O respeito a sua autonomia faz com que eles passem de objeto a sujeito de direito. Garantir direitos aos adolescentes (menores de 18 anos) nos serviços de saúde independente da anuência de seus responsáveis, vem se revelando como elemento indispensável para a melhoria da qualidade da prevenção, assistência e promoção de sua saúde.

Em relação ao exame físico, este deve ser realizado na presença de um acompanhante ou auxiliar principalmente em menores de 18 anos de idade.
Especialistas focais, em especial ginecologistas, via de regra tem realizado o exame físico dos pacientes na presença de uma assistente a fim de evitar constrangimentos e possíveis processos por acusação de abuso sexual.

Complementação:

RECOMENDAÇÕES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE:

Considerando as dificuldades para o enfrentamento de algumas questões, recomenda-se:

a) que a equipe médica busque sempre encorajar o adolescente a envolver a família no acompanhamento dos seus problemas, já que os pais ou responsáveis têm a obrigação legal de proteção e orientação de seus filhos ou tutelados;

b) que a quebra do sigilo, sempre que possível, seja decidida pela equipe de saúde juntamente com o adolescente e fundamentada no benefício real para pessoa assistida, e não como uma forma de “livrar-se do problema”;

c) no caso de se verificar que a comunicação ao adolescente causar-lhe-á maior dano, a quebra do sigilo deve ser decidida somente pela equipe de saúde com as cautelas éticas e legais já mencionadas;

A regra geral aponta claramente para a possibilidade de atendimento de adolescentes sem a necessidade de um responsável legal presente e lhe garante o sigilo das informações. Aponta também para a possibilidade de acesso a insumos de prevenção, métodos anticoncepcionais e orientação sobre saúde sexual e reprodutiva. Haverá exceções a esta regra que deverão ser analisadas caso a caso.

Recomenda-se a discussão junto à equipe e registro de todo o processo. Destaca-se a importância da postura do profissional de saúde, durante o atendimento aos jovens, acolhendo-o e respeitando seus valores morais, socioculturais e religiosos. O acesso ao atendimento destes adolescentes é atributo essencial para que o atendimento seja ofertado de forma adequada.

 

Bibliografia Selecionada:

  1. Taquette S.R. et al. Conflitos éticos no atendimento à saúde de adolescentes. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(6):1717-1725, nov-dez, 2005.
  2. Campos L.C. Apresentação: Aspectos legais do atendimento ao adolescente – em busca da saúde integral.
  3. Sociedade de Pediatria de São Paulo. Aspectos éticos no atendimento médico do adolescente. Revista Paulista de Pediatria. 1999; 17: 95-7.