Há diferenças entre doses (alta vs baixa) de estatinas para prevenção primária de doenças cardiovasculares? E para prevenção secundária? Quais as doses estudadas e recomendadas?
Há evidências conflitantes na dosagem de estatinas tanto para prevenção primária ou secundária. Há ensaios clínicos com diversas dosagens, nos mais diferentes cenários (1). Recentemente em revisão sistemática encontrou redução da mortalidade por qualquer causa inclusive em pacientes com baixo risco cardiovascular (abaixo de 10% em 10 anos)(2).
Apesar das informações diversas algumas conclusões são possíveis:
a) A maioria dos ensaios usou estatinas em moderadas doses (equivalente a 40 mg de sinvastatina)
b) A redução relativa de risco varia de 10 a 30% em mortalidade total, mortalidade cardiovascular e desfechos cardiovasculares, independente do risco absoluto do paciente. O estabelecimento do risco basal do paciente é fundamental para definição do uso ou, não. Visto que o NNT pode variar de 50 (ou até menos em pacientes para prevenção secundária) até mais de 200, em períodos médios de 2,5 até 7 anos, com mediana em 5 anos.
c)A maioria dos ensaios clínicos não mostraram melhores resultados de uma estatina em particular. Em doses semelhantes, as estatinas apresentam resultados semelhantes (1).
d) Uso de doses elevadas de estatinas (equivalentes a 80 mg de sinvastatina) provocou aumento importante de efeitos colaterais como alterações laboratoriais e rabdomiólise (3). Visto isso, o uso da diretriz do NICE para definição do uso da estatina e sua dose parece ser mais útil (4). Nesse caso são sempre prescritas estatinas no mínimo em doses moderadas (equivalente a 40 mg de sinvastatina) com o uso de doses elevadas somente em pacientes com risco cardiovascular muito alto. Para prevenção primária, somente para aqueles com risco cardiovascular em 10 anos maior que 20%. Essa recomendação, para a maioria dos pacientes, torna desnecessário o monitoramento dos níveis de colesterol após decisão de uso das estatinas. Em contrapartida, as diretrizes norte-americanas (Adult Treatment Panel III – ATP III) utiliza um nível de colesterol alvo para definição da dose. Nesse caso, mesmo pacientes com risco cardiovascular baixo podem receber estatina, desde que apresentem níveis de LDL elevados. Para defender essa estratégia é importante ressaltar que a maioria dos ensaios clínicos que previam a estratégia de aumento da dose usavam o LDL como guia terapêutico. Mas, mesmo nesse caso, as doses moderadas são, na maior parte dos ensaios, as doses-alvo alcançadas (5). Por fim, há poucos estudos demonstrando a custo-efetividade do seu uso.
Um artigo publicado em 2006 mostrou que a dose de 40 mg de sinvastatina é custo-efetiva (6). A pessoa com doença cardiovascular manifesta deve ter garantida sua consulta de cuidado continuado para controle de fatores de risco como HAS e DM. O acompanhamento ao longo do tempo facilita a identificação oportuna de complicações das doenças crônicas.
É papel da equipe de saúde auxiliar as pessoas com necessidades de intervenções em outros níveis de atenção na determinação de um plano terapêutico único ou uma linha de cuidado. Incentivar as pessoas a participarem ativamente na redução do risco cardiovascular:
Avaliar o que já sabem sobre os riscos e como se sentem sobre isso;
Explorar o que acreditam que determina a saúde futura;
Avaliar a prontidão para mudança do estilo de vida, avaliação complementar, e uso regular de medicação;
Informar sobre possíveis opções futuras de gestão do risco;
Desenvolver um plano de gestão compartilhada;
Verificar se entenderam o que foi discutido.
PREVENÇÃO NÃO FARMACOLÓGICA
Recomendações dietéticas:
dieta pobre em gordura total, gorduras saturadas, gordura trans e colesterol;
ingerir cinco porções de frutas e vegetais por dia;
preferir carne branca (frango/peixe);
reduzir o sal.
Recomendar o abandono do tabagismo e oferecer suporte para tal.
Incentivar as pessoas a praticarem atividade física regular moderada pelo menos 150 minutos por semana, considerando as necessidades da pessoa, preferências e circunstâncias.
Os exercícios podem ser incorporados no dia a dia, como caminhadas rápidas, utilizar escadas e ciclismo.
Aconselhar a redução da ingestão de álcool.
Auxiliar na manutenção de peso adequado à estatura.
Principais pontos:
O uso de estatinas está indicado para prevenção primária de eventos cardiovasculares em pacientes com alto risco (acima de 20% em 10 anos). Forte grau de recomendação, nível de evidência alto.
O uso de estatinas está indicado para todos os pacientes com eventos cardiovasculares prévios, visto que o benefício é ainda mais significativo na prevenção secundária pelo alto risco desses pacientes. Forte grau de recomendação, nível de evidência alto.
Doses mais altas de estatinas apresentam maior redução do risco relativo de eventos cardiovasculares, e devem ser consideradas em pacientes para prevenção secundária. Forte grau de recomendação, nível de evidência alto.
Não há indicação da escolha de um tipo de estatina específico, visto que nenhuma classe de estatinas mostrou evidência inequívoca de ser superior a outras. Forte grau de recomendação, nível de evidência moderado.
Pacientes em uso de doses altas de estatina devem ter seus níveis de transaminases hepáticas e Ck avaliados, visto risco alto de desenvolver alterações significativas. Fraco grau de recomendação, nível de evidência moderado.
INDICAÇÕES:
A terapia hipolipemiante para redução do risco cardiovascular deve ser considerada para pessoas com alto risco de eventos cardiovasculares.
O risco cardiovascular pode ser estimado pelo escore de Framingham. Antes de iniciar o tratamento medicamentoso para prevenção primária ou secundária:
Considerar a adequação do tratamento no contexto de comorbidades e expectativa de vida.
Otimizar, na medida do possível, a gestão de comorbidades (p.ex., HAS e obesidade) e intervenções de estilo de vida (p.ex., tabagismo).
Realizar exames laboratoriais iniciais.
Investigar e gerenciar todas as condições, tais como diabetes ou dislipidemia, que são sugeridas pelos testes iniciais.
Se dislipidemia está presente, investigar e gerenciar as causas secundárias (especialmente hipotireoidismo).
As estatinas são a primeira escolha para tratamento medicamentoso com objetivo de prevenção cardiovascular. A escolha deve ser baseada na análise de benefício sobre morbimortalidade cardiovascular, custo-efetividade e segurança das drogas disponíveis no mercado.
CONTRAINDICAÇÕES:
O uso de estatinas é contraindicado em pessoas com hepatopatias agudas, mulheres grávidas e amamentando. Não há contraindicação ao uso de estatinas em caso de doença hepática crônica ou esteatose não alcoólica.
AVALIAÇÃO INICIAL/MONITORAMENTO:
O uso de estatinas requer alguns cuidados – dosagem dos níveis basais de bilirrubina direta, creatinofosfoquinase, também chamada de creatinoquinase (CPK ou CK), e transaminases, devendo ser repetidos na primeira reavaliação ou quando houver aumento de dose. Aquelas pessoas com aumento de CK de 3 a 7 vezes o limite superior da normalidade (LSN) ou com dor muscular devem ser monitoradas cuidadosamente devendo a medicação ser suspensa se houver aumento progressivo da CK, aumento da CK acima de 10 vezes o LSN ou persistência dos sintomas musculares.
Já naquelas com sinais de hepatoxicidade (icterícia, hepatomegalia, aumento de bilirrubina direta e do tempo de protrombina), recomenda-se a suspensão da estatina e pesquisa da etiologia. Nas assintomáticas, uma elevação das transaminases isolada e superior a 3 vezes o LSN deve ser confirmada por meio de novo exame e a etiologia deve ser investigada. Nesses casos, a redução da dose ou a suspensão da estatina deverá ser baseada no julgamento clínico. Por isso a importância do acompanhamento longitudinal pelo mesmo profissional.
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