A vacina surge como principal estratégia de profilaxia primária, desempenhando um papel crucial e eficaz na prevenção ao câncer cervical e outras infecções provindas do HPV. Considerando a relação já bem estabelecida entre HPV e câncer de colo uterino, a Organização Mundial da Saúde (OMS), orientou um esquema de vacinação para meninas e mulheres jovens de 9 a 20 anos de idade. As vacinas contra HPV são altamente imunogênicas e são administradas por via intramuscular, resultando em acesso rápido à drenagem dos gânglios linfáticos, e são adjuvadas para induzir um ambiente pró-inflamatório propício ao início de uma forte resposta humoral com memória robusta A eficácia da vacina na diminuição do câncer cervical reduz com o aumento da idade, pois as respostas quantitativas de anticorpos à vacinação são maiores em indivíduos mais jovens, especialmente nas crianças. |
Em 2020, a OMS lançou a Iniciativa de Eliminação do Câncer Cervical Global para acelerar a eliminação do câncer cervical, com o objetivo de reduzir a incidência abaixo de um limite de 4 casos por 100.000 mulheres-ano em todos os países e, assim, diminuir as disparidades internacionais associadas a esta doença. A meta 90–70–90 estabelecida pela iniciativa a ser alcançada até 2030 exige que 90% das meninas sejam vacinadas até os 15 anos de idade, 70% das mulheres sejam rastreadas com um teste de alto desempenho pelo menos duas vezes até os 45 anos de idade, e 90% das mulheres identificadas com pré-câncer cervical ou câncer sejam tratadas.
No Brasil, a imunização contra o HPV é gratuita e é indicada a todos os meninos e meninas dos 9 aos 14 anos. Em 2021, o MS/PNI ampliou a idade de vacinação para mulheres portadoras de HIV, transplantadas e oncológicas, passando a ser de 9 a 45 anos. A Câmara Técnica de Assessoramento em Imunizações (CTAI), em reunião de 30 de maio de 2022, decidiu pela ampliação também aos homens portadores de HIV, transplantados e oncológicos.
O caráter sexualmente transmissível do vírus e a prevalência da doença em homens e mulheres sexualmente ativos, somadas ao fato de que a vacinação deve ser iniciada na população ainda quando crianças, pode permitir uma visão cultural distorcida tendo o sexo como foco, ofuscando o que de fato tem importância: a eficácia da vacinação nessas crianças e seus impactos positivos à saúde da população a longo prazo, visando a erradicação do câncer de colo uterino. Em Uma revisão de registros médicos em um sistema regional de saúde, nos Estados Unidos, observou-se que adolescentes que iniciaram a vacinação contra o HPV aos 9-10 anos de idade tinham maior probabilidade de ter completado a série aos 13,5 anos de idade, em comparação com aqueles que iniciaram aos 11-12 anos de idade (97,5% versus 78%, respectivamente).
O câncer cervical é um problema de saúde pública global, com uma carga particularmente alta em muitos países de baixa e média renda. O HPV é o agente causador do câncer de colo de útero, um dos principais cânceres que acometem mulheres à nível mundial, sendo responsável por 600.000 novos casos estimados anualmente, representando 6,5% de todos os tipos de cânceres em mulheres. No Brasil, o número de novos casos para tal neoplasia projetados para o ano de 2023 é de 17.010, com um risco estimado de 15,3 casos a cada 100.000 mulheres (INCA, 2023). A população masculina também está suscetível ao HPV, visto que tal vírus impacta na causa de outras doenças, incluindo câncer anal, câncer de pênis e de orofaringe.
A eficácia comprovada de medidas de intervenção, como a vacinação contra HPV e o rastreamento na população feminina das lesões pré malignas e de carcinoma in situ, tornam o câncer do colo do útero uma doença amplamente evitável. No entanto, o progresso em termos de redução da incidência e mortalidade por câncer do colo do útero tem sido observado, até agora, predominantemente em países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde triagem de alta qualidade, tratamento oportuno, e serviços de acompanhamento estão disponíveis rotineiramente. Nos países de baixa e média renda, onde ocorre a grande maioria dos casos e mortes, o progresso na redução da incidência e mortalidade tem sido lento, com vários países relatando aumentos nas taxas de incidência ou mortalidade na última década.
A FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, recomenda que as mulheres adultas que não foram contempladas com a vacinação contra HPV na adolescência poderão ter benefícios de proteção se imunizadas com ou sem histórico de infecção pregressa. Nas adultas jovens (até 30 anos), esses benefícios são significativos, tendo sido demonstrados em várias publicações, devendo, portanto, fazer parte da prescrição médica. A vacinação pode conferir uma proteção individual nas mulheres até os 45 anos de idade, que possam estar ainda sob o risco de novas infecções. Recomenda ainda considerar a vacinação mesmo em mulheres adultas com história de infecção anterior por HPV, pois a infecção natural pode não oferecer imunidade suficiente para impedir a ocorrência de novas infecções pelo mesmo tipo viral, diferentemente da imunogenicidade induzida pelas vacinas contra HPV.
Sof relacionada: Por que meninas menores de 14 anos devem ser vacinadas contra o HPV?
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