Infecções por herpesvírus são frequentemente encontradas em amostras de lesões orais de pacientes com quadros graves de Covid-19, porém o SARS-CoV-2 também pode ser detectado nessas amostras, sugerindo um possível papel desse novo vírus na patogênese das lesões orais(1).
Das infecções da mucosa oral decorrentes do Sars-Cov-2, podemos citar úlceras, bolhas, gengivite necrosante, coinfecções oportunistas e alterações das glândulas salivares. Placas brancas e eritematosas e disfunção gustativa foram as mais relatadas manifestações clínicas orais em pacientes com Covid-19. Em geral, as lesões aparecem concomitante com a perda de olfato e paladar. Até o momento, os principais locais de aparecimento de lesões bucais descritos na literatura foram: língua, lábio, mucosa e gengiva(2,3,4). |
Existem evidências na literatura de que também é possível haver manifestações orais decorrentes diretamente da Covid-19(1,2,3). O SARS-CoV-2 tem sido considerado um possível fator etiológico de algumas lesões bucais. Já se sabe que na saliva é encontrada alta carga do vírus, o que leva à exposição viral frequente nas estruturas da cavidade oral. Algumas células orais expressam o local de ligação do SARS-CoV-2, o chamado receptor de enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2). Estudos mostraram a expressão da proteína Spike de SARS-CoV-2 nos queratinócitos e células endoteliais da mucosa oral, bem como nas células das glândulas salivares, confirmando a presença de componentes virais nas células de mucosa oral. Esta é a evidência que sustenta a hipótese de que o vírus pode entrar em células de mucosa oral(1,2,3).
A interação entre a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) e a proteína spike (S) do SARS-CoV-2 permite a entrada viral, replicação e ativação da resposta antiviral inata, incluindo produção de citocinas pró-inflamatórias e infiltração de células imunes. Isso pode resultar na manifestação de sinais e sintomas na cavidade oral de pacientes com Covid-19. Além da manifestação de lesões orais, também pode resultar em infecções oportunistas, facilitada por danos sistêmicos, alterações no sistema imunológico e efeitos adversos do tratamento. Diferentes locais da cavidade oral onde o vírus e seus receptores são detectados incluindo tecidos periodontais, mucosa bucal, língua e glândulas salivares(2,3).
As lesões orais que acometem pacientes com Covid‐19 podem se assemelhar a lesões dermatológicas, e a prevalência de lesões orais e dermatológicas são semelhantes (entre 2%–20%). A Covid-19 tem uma maior taxa de mortalidade entre os homens em relação às mulheres, porém não há diferença entre os sexos no que diz respeito à prevalência de lesões(2). O dentista pode se deparar com indivíduos com Covid-19 e serem chamados a identificar lesões orais decorrentes da Covid-19, portanto é necessário que conheça quais são essas manifestações, conforme descrito abaixo(2,3,4):
As alterações gustativas e olfativas: Podem ser o único sintoma em casos leves casos de Covid-19 ou o sintoma inicial em pacientes que apresentar insuficiência respiratória mais grave. As alterações gustativas relatadas pelos pacientes com Covid-19 são hipogeusia, disgeusia e ageusia. Elas ocorrem em consequência aos danos diretos ao epitélio nasal e oral e natureza neuroinvasiva do vírus SARS-CoV-2. Em 95% dos casos de Covid-19, os distúrbios do paladar são secundários à disfunção olfativa.
Lesões da mucosa oral: Muitas lesões da mucosa oral são relatadas na Covid‐19 confirmados e indivíduos suspeitos, e incluem úlceras, erosões, bolhas, placas, reativação do vírus herpes simples 1 (HSV1) e língua geográfica. As lesões aparecem antes ou junto com manifestações sistêmicas do Covid-19. Ainda não se tem uma relação clara entre a Covid-19 e as lesões da mucosa oral, sugere-se que elas surgem como como resultado da diminuição da imunidade devido a infecção viral, infecção oportunista ou secundária ou o próprio tratamento para Covid‐19. As lesões da mucosa oral tendem a desaparecer entre 6 dias a 2 semanas, ou regredir em tamanho com o tempo.
Alterações gengivais: Alterações gengivais, como eritematoso generalizado e edema gengivas, sangramento gengival-paradontal, papilas interdentais necróticas e gengivite descamativa são relatados na literatura. Eles são relatados em pacientes críticos com higiene bucal negligenciada. Os sintomas desaparecem em 10 dias com uso de antibióticos e antissépticos bucais tópicos.
Boca seca: Boca seca também é relatada associada a pacientes positivos para Covid-19. Alguns estudos mostraram que os pacientes relatam boca seca juntamente com outros sintomas.
Outras Manifestações: Sintomas como halitose, dor na língua e nos músculos mastigatórios e inchaço, língua geográfica, hiperplasia de papila associada a alterações do paladar e macroglossia também já foram relatados, juntamente com os principais sintomas de Covid-19.
Ainda não está confirmado se essas lesões podem ser o primeiro sinal da doença ou secundárias a medicamentos, imunidade reduzida, comprometimento vascular, inflamação generalizada e higiene bucal negligenciada.
É imprescindível que a equipe odontológica participe dos fluxos de manejo clínico e operacional de pacientes suspeitos ou confirmados de infecção por SARS-CoV-2, em todos os níveis de gravidade da doença, para que esta possa realizar exame oral de rotina nesses pacientes, visando o diagnóstico, prevenção e tratamento das lesões orais, minimizando riscos ou outras complicações decorrentes da COVID-19(1,5).
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Guia de orientações para atenção odontológica no contexto da Covid-19. 2ª Ed. [recurso eletrônico]. Brasília: DF. 2022:101p. Disponível em: https://website.cfo.org.br/wp-content/uploads/2022/03/25_02_Guia-de-orienta%C3%A7%C3%B5es-para-aten%C3%A7%C3%A3o-odontologica-1.pdf
2. Brandini DA, Takamiya AS, Thakkar P, Schaller S, Rahat R, Naqvi AR. Covid-19 and oral diseases: Crosstalk, synergy or association? Rev Med Virol. 2021 Nov;31(6):e2226. doi: 10.1002/rmv.2226. Epub 2021 Mar 1. PMID: 33646645; PMCID: PMC8014590. Disponível em: http://europepmc.org/article/MED/33646645#free-full-text
3. Farid H, Khan M, Jamal S, Ghafoor R. Oral manifestations of Covid-19-A literature review. Rev Med Virol. 2022 Jan;32(1):e2248. doi: 10.1002/rmv.2248. Epub 2021 May 24. PMID: 34028129; PMCID: PMC8209937. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/rmv.2248
4. Iranmanesh B, Khalili M, Amiri R, Zartab H, Aflatoonian M. Oral manifestations of COVID-19 disease: A review article. Dermatol Ther. 2021 Jan;34(1):e14578. doi: 10.1111/dth.14578. Epub 2020 Dec 13. PMID: 33236823; PMCID: PMC7744903. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33236823/
5. Brasil. Ministério da Saúde. Orientações para manejo de pacientes com Covid-19. Atualizado em 22/04/2021. Secretaria Executiva (SE), Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES), Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) – Brasília: Ministério da Saúde, 2021:49p. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/recomendacoes/orientacoes-para-manejo-de-pacientes-com-covid-19/view