Embora apresente melhorias nas taxas de sobrevivência fetal e diminuição das taxas de parto prematuro, a cerclagem uterina ou cervical é indicada somente para anomalias uterinas congênitas como útero bicorno quando há perdas gestacionais recorrentes e/ou se houver algum indício de incompetência istmocervical ou insuficiência cervical, como colo curto ou entreaberto. O tratamento cirúrgico nem sempre é eficaz, visto que alterações vasculares ou funcionais do endométrio, miométrio e colo uterino podem também estar presentes. O procedimento recomendado para o útero bicorno é metroplastia Strassmann, que unifica os bordos abertos de cada corno tornando-se uma única cavidade uterina, e deve ser considerada após gestações que terminaram em abortamentos, pois a cirurgia aumenta a rotura uterina num possível trabalho de parto(1-3).
A cerclagem uterina ou cervical é uma cirurgia realizada para evitar o parto prematuro: sutura no colo do útero na porção vaginal, impedindo que a cavidade uterina abra antes da hora e que a bolsa fetal desça, desencadeando o trabalho de parto prematuro. O procedimento é realizado logo após o terceiro mês de gestação e é feito sob anestesia geral. A sutura é feita com fio inabsorvível, que é retirado na 37ª semana de gestação para que o trabalho de parto ocorra normalmente. Embora seja relativamente simples, o procedimento é delicado e exige que a gestante fique 24 horas internada, em observação. Nos meses seguintes, são necessários repouso e abstinência sexual(2,3).
O útero bicorno é uma anomalia congênita que apresenta uma fenda na área superior do útero que separa os dois lados do órgão, mas não chega a dividi-lo. Essa fissura pode variar, podendo resultar em um útero levemente bicorno ou totalmente bicorno, diminuindo o espaço uterino para o feto em desenvolvimento. Ocorre devido à fusão incompleta dos dois dutos de Müller ao nível do fundo uterino, resultando em um único colo e duas cavidades endometriais. Devido à sobrecarga do útero, o colo do útero pode começar a se abrir muito cedo e ser necessária uma cerclagem para evitar parto prematuro(1-3). O diagnóstico definitivo da anomalia pode ser feito através de laparoscopia, ressonância magnética (RM) ou ultrassonografia tridimensional (3-D), pois a histeroscopia e a histerossalpingografia não podem distinguir entre septo e útero bicorno. O aborto pode ocorrer em cerca de 30% -50% das gestantes. Assim, a terapêutica cirúrgica pode ser considerada em pacientes com aborto recorrente ou tardio, mas não no diagnóstico de infertilidade isolada. A metroplastia é tipicamente realizada através de laparotomia(4).
Como as anomalias congênitas que distorcem ou reduzem o tamanho da cavidade uterina, como útero bicorne, além do risco de abortamento, as mulheres podem enfrentar o descolamento da placenta, restrição do crescimento intrauterino e trabalho de parto prematuro(1).Essa gestante deve ser acompanhada em conjunto com um serviço de referência em pré-natal de alto risco. Apesar disso geralmente o útero bicorno está associado a menos complicações reprodutivas do que outras anomalias uterinas. As mulheres com esta anomalia têm cerca de 60% de probabilidade de gravidez bem-sucedida. O Parto vaginal é possível, mas a ruptura do útero durante o parto tem sido relatada(4,5).
Atributos da APS: é a coordenação do cuidado – mesmo sendo referenciada ao pré-natal de alto risco, a gestante deve continuar o pré-natal com a equipe de saúde da família. O acompanhamento deve ser feito em conjunto, com consultas alternadas. A equipe de saúde da família está mais próxima da moradia da paciente e deve facilitar o acesso, de maneira que qualquer intercorrência durante a gravidez possa ser identificada precocemente(4,5).
1. Kaur P, Panneerselvam D. Bicornuate Uterus. [Updated 2021 Jul 28]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; [acesso em 04 jan 2022]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560859/
2. Pilio TPS, Hoffmann AC, Camargos AR, de Oliveira Silveira AP, Borges ATSR, Brito e Oliveira AVO, Dias BL, Fernandes B, Fonseca MALS, Godoy, JT. Cerclagem uterina: técnica, eficácia, indicações – Revisão narrativa. Brazilian Journal of Health Review 2021;4(2):4647-4660. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/25664/20405
3. Brown R, Gagnon R, Delisle MF. No. 373-cervical insufficiency and cervical cerclage. J Obstet Gynaecol Can; 2019:41(2):233-247. Disponível em: https://www.jogc.com/article/S1701-2163(18)30649-2/fulltext
4. Decherney AH, Nathan L, Laufer N, Roman AS. Current: Ginecologia e Obstetrícia – Diagnóstico e Tratamento, 11th edição. ArtMed; 2015. [Bookshelf Online].
5. DynaMed [Internet]. Ipswich (MA): EBSCO Information Services. 1995 -. Record No. 905794, Congenital anomalies of female reproductive tract; [acesso em 04 jan 2022]. 2014. Disponível em: https://www.dynamed.com/topics/dmp~AN~T905794/Congenital-anomalies-of-female-reproductive-tract