A cirurgia bariátrica (bypass gástrico em Y de Roux) em pacientes obesos com hipertensão arterial normaliza a pressão arterial (sem a necessidade de outro tipo de tratamento) em 35% dos pacientes. Outros 38% conseguem controlar a pressão arterial com pelo menos um medicamento a menos. No entanto, 30% tornam-se deficientes em vitamina B12, 17% necessitam de colecistectomia e 14% desenvolvem hiperparatireoidismo.
Parece uma maneira drástica de diminuir um fator de risco, especialmente devido aos efeitos colaterais.
Este é um ensaio clínico randomizado brasileiro, de centro único (hospital privado de grande porte em São Paulo), não cegado, e financiado pela indústria farmacêutica. Foram incluídas 100 pessoas, de 18 a 65 anos de idade (média de 40 anos, 76% mulheres, 35% negros ou pardos), com diagnóstico de obesidade (índice de massa corporal entre 30 e 39,9 kg / m2) e hipertensão arterial em uso de pelo menos 2 anti-hipertensivos. Foram excluídas pessoas com doenças cardiovasculares, hipertensão grave (PA>180/120mmHg), diabetes ou que fumavam. Os pacientes foram randomizados em bloco (razão de 1:1) para receber tratamento médico contínuo ou bypass gástrico em Y de Roux. O desfecho primário foi a manutenção de PA<140/90mmHg mesmo com redução do uso de ao menos 1 anti-hipertensivo naqueles que usavam 2 ou 3 medicações na linha de base ou ao menos 2 anti-hipertensivos naqueles que usavam 4 medicações. Foram inúmeros os desfechos secundários intermediários, alguns sem grande relevância clínica, e o estudo não teve poder estatístico suficiente para avaliá-los adequadamente. Frisa-se que o ensaio não incluiu desfechos duros de morbimortalidade. Mais de 80% dos pacientes completaram o tempo de seguimento do estudo em ambos os braços. Após 3 anos de seguimento, 88% dos pacientes do grupo cirurgia bariátrica e 72% do grupo em tratamento médico convencional mantiveram a PA inferior a 140/90 mm Hg, independentemente do número de medicamentos, mas sem significância estatística (risco relativo, 1,21 [IC 95%, 0,96 a 1,53]). Observação: o artigo não detalha a pressão arterial dos pacientes na linha de base do estudo, apenas indicando o número de anti-hipertensivos em uso. Por outro lado, 73% do grupo cirurgia e 11% do grupo convencional alcançaram o desfecho primário (risco relativo, 6,52 [IC, 2,50 a 17,03]; p <0,001), sendo que um total de 35% dos pacientes do grupo cirurgia e 2% do grupo convencional normalizaram a PA sem uso de anti-hipertensivo (risco relativo, 17,35 [CI, 2,34 a 128,62]). Os efeitos colaterais foram comuns: dos pacientes submetidos à cirurgia, 8 pacientes (17%) necessitaram de colecistectomia, 14% desenvolveram hiperparatireoidismo secundário e 30% tornaram-se deficientes em vitamina B12.
Schiavon CA, Bhatt DL, Ikeoka D, et al. Three-year outcomes of bariatric surgery in patients with obesity and hypertension. A randomized clinical trial. Ann Intern Med 2020;173(9):685-693. Dispon´viel em: https://www.acpjournals.org/doi/10.7326/M19-3781?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed
Já sabemos que a cirurgia bariátrica é uma opção terapêutica segura, efetiva e com resultados de longo prazo para pacientes com obesidade refratária aos métodos convencionais de tratamento (mudança de estilo de vida e medicamentoso). Este ensaio clínico brasileiro traz informações importantes sobre o impacto da cirurgia bariátrica no controle da pressão arterial, sendo o primeiro estudo desenhado especificamente com esse fim. Corrobora estudos anteriores feitos com pacientes diabéticos no que diz respeito ao impacto positivo da cirurgia na redução do número de medicamentos utilizados para controlar a pressão arterial, mas com resultados mais modestos ou mesmo não significativos no controle geral da hipertensão. Infelizmente, ao focar em pacientes obesos hipertensos sem outras comorbidades importantes, o estudo acaba trazendo informações para uma população de perfil menos comum no cenário clínico, embora teste uma importante hipótese. Por isso, tendo em vista ainda o potencial não desprezível de eventos adversos, aparentemente não é o caso de indicarmos cirurgia bariátrica a nossos pacientes apenas com a justificativa de controlar a pressão arterial ou mesmo manejar polifarmácia.