Deficiências de vitaminas do complexo B, de ácido fólico, ferro e zinco podem ter como manifestações clínicas quadros de ulcerações aftosas recorrentes. Outros fatores causais, mais raros, são: doença de Behçet, doença celíaca, doença de Crohn, colite ulcerativa, distúrbios imunológicos como HIV e neutropenia cíclica (1,2). Inicialmente, deve-se descartar etiologia traumática e doença sistêmica. A história médica da paciente é de fundamental importância devido à sua possível associação com as condições clínicas referidas anteriormente, pois estas são mais comuns em quadros de ulcerações aftosas severas e/ou muito frequentes. Nesses casos, o tratamento deve ser multiprofissional, sendo que caberá ao cirurgião-dentista realizar os cuidados com as alterações bucais e contribuir no diagnóstico precoce da doença (2).
Complementação
Definição – Doença inflamatória crônica, a ulceração aftosa recorrente (UAR) é uma das alterações mais comuns da mucosa oral. Apresenta-se como uma lesão circular ou oval, claramente definida, dolorosa, com centro necrótico, coberta por uma pseudomembrana branco-acinzentada, superfície rasa, bordas elevadas e halo eritematoso, que ocorre sobretudo em mucosa não queratinizada (mucosa bucal, mucosa labial, língua, pavimento da boca, palato mole e úvula). Em geral, são várias lesões, com o primeiro episódio observado na infância ou adolescência. Possui três classificações clínicas: menor, maior e herpetiforme (1,3-5).
Características Clínicas – A UAR menor representa cerca de 80% dos casos dessa patologia, caracterizando-se por úlceras com menos de 5mm de diâmetro, ainda que possam ocorrer lesões de até 1cm. Surge em mucosa não queratinizada e cessa em 10 a 14 dias, sem deixar cicatrizes (1,5). A UAR maior, conhecida também como afta ou síndrome de Sutton, representa de 10 a 15% dos casos dessa afecção e apresenta sintomatologia severa. As lesões são maiores que 1cm, e podem persistir por até 6 semanas. Em geral, deixam cicatriz. Surgem mais comumente em lábios e palato mole, mas podem ocorrer em qualquer região da mucosa bucal (1,5). A forma herpetiforme representa de 5 a 10% dos casos. Apresenta-se como múltiplas úlceras, puntiformes (cerca de 1 a 3mm), que podem coalescer formando uma lesão grande e irregular. Podem surgir em qualquer região da mucosa bucal e persistem por 10 a 14 dias (1,5). Apesar do nome e de suas características semelhantes às da infecção primária pelo vírus herpes simples, o vírus não foi identificado nessas lesões (1).
Etiologia – A etiologia da UAR ainda é indefinida. Alguns fatores predisponentes são citados na literatura, como trauma, ansiedade/estresse, determinados alimentos (ex.: chocolate, amendoim, café e produtos contendo glúten), alterações hormonais (1,5).
Diagnóstico – A primeira hipótese a ser afastada é a de úlcera traumática, lesão provocada por fatores irritativos, como dentes pontiagudos e/ou quebrados, próteses dentárias fraturadas, aparelhos ortodônticos, ou quando o paciente relatar que se mordeu involuntariamente (5). Não existem resultados laboratoriais específicos para UAR sendo seu diagnóstico baseado na história e no exame clínico. A história médica do paciente é importante já que na maioria dos casos o primeiro episódio é observado antes dos 30 anos de idade. Na anamnese, deve-se incluir idade de início, número de episódios/ano e todos os fatores desencadeantes associados. Uma parcela significativa dos pacientes tem parentes de primeiro grau com história de UAR. Salienta-se que a UAR é incomum em fumantes (5). Existe ainda a necessidade de excluir outras possíveis doenças associadas à ocorrência de ulcerações bucais recorrentes que lembram UAR. Na Doença de Behçet, os pacientes apresentam úlceras bucais e genitais. Pacientes HIV positivos podem ter úlceras bucais recorrentes devido à imunossupressão. Em quadros de anemia devido à deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, úlceras semelhantes às observadas na UAR também podem ser encontradas (5). Outras condições devem ser descartadas quando o paciente tem sintomas gastrointestinais (diarreia, dor abdominal), sendo necessária a consulta com um gastroenterologista. Dentre doenças gastrointestinais a serem consideradas no diagnóstico diferencial, podem ser incluídas a doença celíaca, a colite ulcerativa e a Doença de Crohn (5), como dito anteriormente. Para que o paciente se enquadre como portador de estomatite aftosa recorrente, ele deve apresentar aftas orais em períodos mínimos quinzenais (ou mensais), por mais de um ano de duração, sem que haja sinais de doenças sistêmicas associadas (3).
Tratamento – Os tratamentos atuais para ulceração aftosa recorrente têm o objetivo de reduzir os sintomas, o tamanho e a quantidade das úlceras e/ou aumentar os períodos livres da doença. São determinados pela severidade, frequência de aparecimento, história médica e tolerância do paciente à medicação. Além disso, devem ser eliminados ou tratados quaisquer fatores predisponentes (1,3). Corticosteroides tópicos são a principal base do tratamento e normalmente são usados como terapias de primeira linha. Os agentes normalmente usados incluem triancinolona em orabase e dexametasona – elixir. A duração do tratamento varia de caso para caso, não havendo evidências de supressão adrenal devido à pouca absorção e à baixa potência desses fármacos (5). Se as úlceras são pequenas, provocam pouca dor e são infrequentes, pode-se optar por deixar que ocorra involução espontânea (1,2).
A dexametasona tópica (em creme, aplicada 3x/dia por cinco dias, em média) mostrou-se eficaz em reduzir a dor e promover a cicatrização mais rápida da úlcera. Outras opções de corticosteroides tópicos são elixir de dexametasona 0,05mg/ml (bochecho 3x/dia ou enxaguatório bucal), acetonido de triancinolona orabase ou spray de dipropionato de beclometasona (1,6), alternativas utilizadas nos caso de ulcerações múltiplas e localizadas em lugares de difícil acesso, como no palato mole ou orofaringe (2). Desaguatórios orais de clorexidina têm se mostrado eficazes em reduzir a severidade e duração das úlceras, diminuir a incidência de novas lesões (Grau de recomendação D) e prevenir a ocorrência de infecções bacterianas ou micóticas secundárias (2). A clorexidina pode ser usada a 0,2% para bochechos ou a 1% sob apresentação de gel (1). O gel de lidocaína pode reduzir a dor, devendo ser massageado no local da lesão e utilizado principalmente antes das refeições (1,2,5). Evidências escassas sugerem que o aporte de vitamina B12 possa ser útil na prevenção de recorrência de lesões (C) (1). Para casos mais graves, tratamentos sistêmicos podem ser utilizados, incluindo cursos de 4 a 5 dias de prednisona, 60 a 80mg/dia. Entretanto, não há evidência de benefício relacionado com tratamentos sistêmicos, provavelmente pela baixa qualidade metodológica dos estudos já realizados (C) (1).
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